O papel do Serviço Social e a organização política da categoria em defesa da qualidade da educação como direito social e humano 

No Dia Internacional da Educação, celebrado em 28 de Abril, o CRESS-PR bateu um papo com Ivana Aparecida Weissbach Moreira, Doutora em Educação e Assistente Social na Assessoria de Assuntos Estudantis (ASSAE) na Reitoria da UTFPR (Universidade Tecnológica Federal do Paraná). Ela falou sobre o papel do Serviço Social brasileiro no fortalecimento do acesso e qualidade da educação como direito social e humano no país.

Confira a entrevista: 

CRESS-PR:  Qual é o papel do Serviço Social brasileiro no fortalecimento do acesso e qualidade da educação como direito social e humano no país, especialmente em contextos de desigualdades socioeconômicas?

Ivana – O Serviço Social brasileiro, enquanto uma profissão inserida na divisão social e técnica do trabalho, possui como espaço prioritário de atuação e intervenção as políticas públicas. A participação do Serviço Social nos mais diferentes espaços, sejam eles câmaras temáticas, conselhos, grupos de trabalho e a própria participação da categoria nas discussões nos núcleos regionais de Serviço Social permitem uma qualificação e dimensionamento das demandas e os enfrentamentos necessários à garantia da educação enquanto um direito público. Deste modo, a mobilização do Serviço Social se faz numa perspectiva transversalizada entre as políticas públicas de forma a não particularizar a temática, mas compreendê-la numa dimensão dialética. Especificamente no campo da educação, em seus diferentes níveis e modalidades de formação, o Serviço Social vem ao longo de décadas desenvolvendo o fortalecimento da educação enquanto uma política pública, democrática e inclusiva, que deve ter na formação para a cidadania e emancipação social o direito assegurado. Seja através das lutas da categoria pela melhoria das condições de vida da população, na minimização da pobreza e da situação de vulnerabilidade social em que muitos se encontram (fenômenos mundiais) no Brasil, o Serviço Social evidencia sua resistência aos contínuos ataques e ameaças à retirada de direitos. Com ênfase ao que assistimos a partir de um ataque aviltante ao setor público desde a lógica neoliberal (mercantilização, privatização, subordinação às demandas de acumulação), tanto à redução do sentido do ensino quanto à aquisição de habilidades e competências funcionais à lógica capitalista. Ainda, pelos cortes orçamentários e o congelamento dos gastos públicos, o que impactou diretamente os direitos sociais, dentre eles o direito à educação pública e de qualidade.

CRESS-PR: Como as políticas educacionais brasileiras têm impactado a atuação do Serviço Social nas escolas, universidades e outras instituições de ensino? E quais são os principais desafios enfrentados pelas(os) assistentes sociais nesse contexto?

Ivana – A realidade educacional brasileira constitui-se de descompassos em relação às condições de acesso e permanência nas políticas educacionais, evidenciando a necessidade de debate e de uma agenda política. O contexto histórico permeado pelas transformações societárias ocorridas no Brasil a partir da década de 1990, consequências do neoliberalismo e da reestruturação produtiva, provocaram alterações na sociedade, devido às mudanças operadas no âmbito do trabalho e que também repercutem nos direitos sociais, nas políticas sociais e na educação superior. Pode-se afirmar que o projeto neoliberal objetiva naturalizar o capitalismo e as desigualdades sociais, atuando na restrição dos direitos sociais da classe trabalhadora, a partir da compreensão de que as conquistas sociais se tornam impeditivos para a liquidez financeira do Estado, acarretando no desmonte do sistema público de proteção social.

Neste contexto, o Serviço Social, a partir do exercício profissional das(os) assistentes sociais em diferentes políticas públicas, implica em diversos conhecimentos específicos de cada área. A atuação na educação envolve, para além dos fundamentos teórico-metodológicos próprios do Serviço Social, a compreensão do espaço da educação, de suas regulamentações e do significado de ser trabalhador dessa política. Acredito que um dos principais desafios enfrentados pelas(os) profissionais de Serviço Social na educação seja a resistência ainda das instituições sociais na contratação dos profissionais para compor as equipes multidisciplinares.

CRESS-PR: Como o Serviço Social pode contribuir para a promoção de uma educação mais inclusiva e democrática no Brasil, que reconheça as diversidades e valorize a participação ativa dos sujeitos no processo educativo? E como as tecnologias digitais podem ser utilizadas para potencializar essa atuação?

Ivana – A conjuntura atual exige uma mobilização articulada da categoria, na defesa dos direitos conquistados historicamente, visto que a educação, em seu sentido social, não se restringe apenas aos estudantes, mas configura-se como um direito de cidadania e de resistência frente ao capital. Contudo, apesar de o Brasil já possuir um arsenal jurídico que define a educação como direito de todos, tal cenário remete ao entendimento de que a educação está longe de se transformar, de fato, num direito social garantido pelo Estado. Este contexto impõe novos desafios, em termos políticos e educacionais, àqueles que lutam incansavelmente em defesa da educação pública no país, tornando-se fundamental a luta e a garantia da educação pública, gratuita e de qualidade na gênese das proposições das políticas públicas educacionais. Assim, o reconhecimento e o autorreconhecimento da e do assistente social como trabalhador(a) da e na educação se constitui em um processo que se dá por meio da busca constante por formação continuada e especializada, por meio do reconhecimento das demandas, inserção e atuação em instituições educativas direcionada por uma formação crítica e que se apropria do conhecimento acumulado pela categoria, em seus documentos e produções acadêmicas.

Assim, os espaços de discussão, fóruns, câmaras temáticas, espaços de capacitação e formação continuadas, a ampliação e formulação das normativas, resoluções, regulamentos, subsídios para a educação e aportes teóricos e científicos permitem às(aos) profissionais de Serviço Social a apropriação e amadurecimento da categoria sobre a temática numa dimensão teórico-metodológica e ético-política para intervir e fortalecer o debate da educação como um direito e princípio para a formação humana.

CRESS-PR: Quais são as principais consequências da falta de profissionais de Serviço Social atuando na educação básica na maioria dos municípios paranaenses?

Ivana – A educação, como processo continuado e permanente, tem a sua configuração e estrutura com ênfase para a educação básica, na qual os sujeitos possuem acesso a parte comum do currículo aos conhecimentos essenciais para sua formação integral, construída a partir da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). As escolas são instituições sociais e espaços de aquisição de conhecimentos, mas também espaços de socialização e desenvolvimento da formação humana. O Serviço Social na educação básica contribui com seu saber e conhecimento teórico para o acesso e a garantia de direito. Ainda, no enfrentamento da evasão e abandono escolar que está diretamente ligada à “questão social”, na garantia a proteção social, na saúde mental e qualidade de vida, o território e suas potencialidades, na inclusão e permanência de pessoas com deficiências e transtornos funcionais específicos, no desenvolvimento das relações interpessoais e no fortalecimento da educação básica pública e de qualidade enquanto um direito da criança e do adolescente.

CRESS-PR: Quais são as possíveis soluções que podem ser adotadas para aumentar a presença de assistentes sociais nas escolas e garantir uma educação de qualidade para todos os estudantes, especialmente os mais vulneráveis?

Ivana –  A defesa pelo cumprimento das legislações e, em especial da Lei 13.935/2019, para a inserção de profissionais na educação básica, diante das demandas específicas nas políticas educacionais, deve ser uma luta constante da categoria profissional, seja por ser este um espaço sócio-ocupacional, seja pela relevância dessa política pública enquanto princípio para a formação humana e cidadania. Ainda, a participação do Serviço Social nas discussões deliberativas nacionais, estaduais e municipais potencializam o reconhecimento para o fortalecimento das condições de formação e vida dos sujeitos, com ênfase a proteção social e consequentemente materializam a necessidade de que a educação dialogue com outros saberes a fim de promover o processo de ensino e aprendizagem que atenda os sujeitos da educação, mesmo diante das suas peculiaridades diante de uma sociedade neoliberal e na qual a desigualdade social e o enfrentamento à pobreza ainda sejam temas evidentes. Para além do campo da educação, a luta do Serviço Social se dá no fortalecimento e garantia dos direitos sociais e no enfrentamento às situações de vulnerabilidade de grande parte dos sujeitos da educação. Assim, faz-se necessário a mobilização nos estados e municípios a fim de garantir a presença de psicólogas(os) e assistentes sociais na educação básica de todo o país.

Ivana é Assistente Social e Doutora em Educação