“Infelizmente, este caso de violação do direito ao aborto não é exceção”, afirma pesquisadora

ALERTA DE GATILHO – Nesta semana, uma reportagem do The Intercept Brasil chocou o Brasil: durante uma audiência gravada em vídeo, uma juíza de Santa Catarina induz uma menina de 11 anos, grávida por ser vítima de estupro, a desistir do aborto legal. De acordo com a reportagem, a criança foi mantida pela justiça em um abrigo por mais de um mês para evitar o aborto, previsto no Código Penal. Além de gravidez resultante de estupro, a legislação brasileira dá o direito ao aborto legal também para situações onde há risco de morte materna e em caso de feto anencéfalo (que nasce com cérebro subdesenvolvido).

Nayara André Damião é Assistente Social na Prefeitura de Londrina, doutoranda em Serviço Social e Política Social na UEL (Universidade Estadual de Londrina), e pesquisadora sobre a temática do aborto.  Segundo ela, infelizmente o caso que veio à tona nesta semana não é uma exceção.

“Casos como este, de violação do direito ao aborto legal, sempre aconteceram. Não são uma novidade, infelizmente. A novidade tem sido a maior incidência e agressividade desses casos. Há uma sofisticação nas estratégias dos grupos conservadores para tolher esse direito das mulheres”, observa Nayara.

Na reportagem, o The Intercept denuncia que a equipe médica se recusou a realizar o abortamento, permitido pelas normas do hospital só até as 20 semanas. A menina estava com 22 semanas e dois dias de gestação. Nayara pondera que, em momento nenhum, a legislação brasileira coloca como condicionante ao direito do aborto legal um prazo limite gestacional.

“O que existe são normas técnicas que orientam o atendimento das mulheres, ou deste caso da criança. Nestas normas, há uma indicação deste prazo de 22 semanas. Mas é importante destacar que isto é uma norma técnica; não existe na Lei, logo não é proibido quando a gestação já passou das 22 semanas”, argumenta a Assistente Social.

Conservadores Organizados

De acordo com Nayara, pesquisas recentes indicam que os grupos conservadores atuam para tolher o direito ao aborto de forma sistemática e muito bem organizada, incluindo o “treinamento” de profissionais da área da Saúde para utilizar do “direito de objeção de consciência” convencer a vítima de violência para não acessar o direito ao aborto legal, algo que também se dá com profissionais da área do direito.

“Alguns profissionais de saúde podem alegar a objeção de consciência pela prática do aborto ser contrária às concepções pessoais daquele profissional em específico. No entanto, o direito da mulher ao aborto legal, nos casos previstos no Código Penal, não pode ser violado. O direito da mulher à saúde, ao acesso ao aborto legal, à dignidade, é maior do que o direito de objeção de consciência, que só pode ser alegada em determinadas condições: quando há outro profissional para realizar aquela prática e não se tratar de uma situação de emergência”, pontua Nayara.

Papel do Assistente Social

Para Nayara, o papel dos profissionais de Serviço Social neste caso específico, é orientar, dar acesso à informação para garantir com que o direito ao aborto legal, garantido no Código Penal, seja acessado.

“Como profissionais de Serviço Social, precisamos estar atentas e atentos para essas intervenções que buscam violar direitos.  E, além disso, ter a formação necessária para saber como agir nessas situações”, concluiu.

Posicionamento do CFESS/CRESS

O CFESS e o CRESS-PR criticam, veementemente, a decisão da juíza de SC, que promoveu violações de direitos e impediu a realização do aborto legal e seguro por uma criança de 11 anos, vítima de estupro. Tanto o Conselho Federal quanto o Conselho Regional de Serviço Social do Paraná reafirmam o compromisso ético de assistentes sociais com a garantia e defesa dos direitos humanos de toda a população, em especial de meninas e mulheres.