“Não temos o devido reconhecimento, mas nosso papel é essencial em contextos como o atual”

Dionéia Edlyng Maciel é coordenadora do NUCRESS Guarapuava e atua no CRAS de Pinhão. Ela conta como a pandemia tem impactado de forma mais intensa a população vulnerável, as condições precárias para enfrentamento desse cenário e como o papel da/do assistente social tem sido decisivo no atendimento à população, colocando sua própria saúde em risco.

Como tem sido sua rotina com a Pandemia? O que mudou?

A rotina se alterou significativamente! O estresse e o esgotamento mental são as partes mais difíceis ao longo desses 7 meses de pandemia, por fatores pessoais, familiares e profissionais.

No aspecto familiar temos em um mesmo ambiente pessoas do grupo de risco e aquelas que não puderam interromper suas jornadas de trabalho.

No aspecto pessoal, neste período de pandemia entrei no último semestre do mestrado e tem sido um processo difícil conciliar essas atividades em um momento como o atual.

Em relação ao trabalho há diversos aspectos que tornam o momento bastante estressante, mas o fato de eu residir em um município, Guarapuava-PR, e trabalhar em outro, Pinhão-PR, também contribui para um maior desgaste.

No aspecto profissional, quais dificuldades tem enfrentado?

As demandas do CRAS estão relacionadas às seguranças afiançadas pela Política Pública de Assistência Social, visando potencializar os processos materiais e imateriais para o enfrentamento das situações de vulnerabilidade e de risco social. Sendo assim, a pandemia atinge a todos, mas seus impactos são mais severos sobre a população mais vulnerável, que apresenta indicadores que ultrapassam o da insuficiência de renda e passam a compor grupos vulneráveis devido a condições sociais, de classe, culturais, étnicas, políticas, econômicas, educacionais e de saúde, distinguindo-se por suas condições precárias de vida.

Esse cenário provocou o aumento expressivo das demandas por proteção social, especialmente no que se refere a auxílios financeiros e outros benefícios essenciais à sobrevivência. No caso dos atendimentos, incluídos ou alterados no CRAS em razão da pandemia de Covid19, destaco que a demanda pelo auxílio emergencial corresponde a uma parcela expressiva (estes são multiplicados quando muitos dos usuários procuram/retornam repetidas vezes ao CRAS para consultas, informações e orientações sobre o auxílio).

Somam-se, ainda, atividades que contribuem para a sobrecarga nos equipamentos da Assistência Social em razão da suspensão ou redução do atendimento presencial de outros serviços, como: requerimentos de serviços previdenciários junto ao INSS; requisições do Poder Judiciário para estudos sociais ou psicossociais por profissionais do SUAS; atendimentos provenientes de outras secretarias e/ou instituições, entre outras.

Essa demanda escoa para o CRAS, principalmente porque o acesso remoto a serviços online é algo que não corresponde à realidade objetiva da população em sua totalidade. E não falo sobre ter um chip de celular, falo de condições mais amplas: desde o não acesso a aparelhos telefônicos com suporte necessário e/ou a computadores; ao não acesso à internet, pois a disponibilização de internet gratuita para a população não está entre as medidas governamentais para enfrentamento da pandemia, há poucos meses no Município, o próprio CRAS não contava com acesso adequado à internet; além do analfabetismo tecnológico, questão que não é devidamente trabalhada pelas políticas públicas, mas que em momentos como este recai sobre a população a exigência de que provenha uma solução.

O contexto da pandemia também evidenciou a necessidade de embates para garantia dos direitos profissionais e de proteção da saúde coletiva.

A disponibilização de EPIs adequados e em quantidade suficiente para todos/as os/as trabalhadores/as, além dos produtos necessários à higienização das mãos e do ambiente, tem sido uma exigência das equipes do SUAS desde o início da pandemia.

Além disso, tem sido contínua a problematização com a gestão municipal sobre as condições de saneamento básico da população a fim de que tenha condições objetivas para o necessário isolamento social; sobre a necessidade de ampliação dos benefícios para atendimento de vulnerabilidade temporária; sobre as atribuições das equipes do SUAS, para que não sejam descaracterizadas diante da crise sanitária atual.

E tudo isso se agrava por se tratar de um ano de eleições municipais, considerando que é histórico na Assistência Social a necessidade do enfrentamento ao oportunismo no período eleitoral, que se torna ainda mais evidente em um momento como o que estamos vivenciando. De modo geral, essa é uma síntese muito breve da realidade vivenciada em meu espaço de trabalho.

Você precisou reinventar estratégias de atendimento?

Trabalho em um CRAS e as primeiras modificações foram no sentido de adaptar a forma do atendimento presencial à necessidade de proteção individual e coletiva (de nós trabalhadores/as e de usuários/as), conforme protocolos de saúde. Durante um breve período as equipes trabalharam em escalas para reduzir o número de pessoas permanecendo no mesmo ambiente, no entanto, não foi possível continuar realizando escala tendo em vista que a equipe do CRAS é reduzida (ficando mais ainda com o afastamento de trabalhadores/as do grupo de risco); e pelo aumento expressivo da demanda por Auxílio Emergencial,  Cartão Comida Boa, pelos Benefícios Eventuais da Assistência Social e por outros serviços, muitos que não competem ao CRAS, mas que, diante da dificuldade da população em acessá-los nesse momento, acabam sendo absorvidos pela Assistência Social.

Logo no início da pandemia foram suspensas as atividades coletivas presenciais dos principais serviços ofertados pelo CRAS, ou seja, do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) e grupos do Programa de Atendimento Integral à Família (PAIF). Além disso, foram suspensas atividades presenciais como: reuniões intersetoriais e encontros de capacitação para/com trabalhadores do SUAS e demais áreas da rede de atendimento.

Diante dessa realidade, nos deparamos também com a necessidade de repensar estratégias de atendimento para que o distanciamento físico não ocasione o rompimento do vínculo dos/as usuários/as com os serviços e para que não acentue a situação de exclusão já vivenciada por muitos.

Aumentou a quantidade de horas de trabalho? Em quanto?

Não houve aumento de carga horária, mas houve aumento da intensidade do trabalho e a sobrecarga.

Diante desse cenário todo que você descreveu, como vê o papel da/do assistente social?

Fica bastante evidente para mim que é essencial o nosso trabalho como assistentes sociais diante de contextos como o atual. Embora não tenhamos o reconhecimento devido. Muitas das articulações são encabeçadas por nós. Nos colocamos à frente de reivindicações e lutas constantes em defesa de condições dignas de vida e de trabalho para todos. Compomos equipes com diversas outras áreas. Estamos nas ruas assistindo à população, cientes do quanto ficamos expostos à contaminação. Adentramos as comunidades mais vulneráveis levando a informação e construindo estratégias para as diversas questões que se apresentam no cotidiano, sendo agora o principal problema a pandemia de Covid-19. O que habituou a chamar de linha de frente em 2020, sempre foi para nós terreno de luta cotidiana. Enfim (não só agora) são inúmeros os desafios nessa profissão, mas não há outra que me poria tal brilho nos olhos e me daria tamanha força pra lutar.