CRESS Paraná participa de mesa redonda sobre “Depoimento Sem Danos” no Seminário de Psicologia Jurídica promovido pelo CRP/PR

CRESS Paraná participa de mesa redonda sobre “Depoimento Sem Danos” no Seminário de Psicologia Jurídica promovido pelo CRP/PR
Por Daraci Rosa dos Santos, Assistente Social, Conselheira Primeira Secretária, membro das comissões de Direitos Humanos, Assistência Social e Serviço Social na Educação.

Metodologia “Depoimento Sem Danos”- prática que substitui a audiência realizada por juízes com vítimas ou testemunhas de violência ou abuso sexual cometido contra crianças e adolescentes, mediante a atuação de assistentes sociais ou psicólogos como intérpretes em sala interligada por áudio, vídeo e ponto eletrônico para as perguntas no “inquérito” (notas para contextualizar a participação e a construção do posicionamento do CRESS 11ạ Região./PR sobre a metodologia DSD).

Em 01/11/08, no horário, das 16h00 às 18h00 nas dependências do CRP Paraná, cumprindo a programação proposta por este conselho, para o Seminário de Psicologia Jurídica, que se iniciou no dia 31/10/08, estivemos presentes representando o CRESS 11ª Região, a fim de discutir a Metodologia do “Depoimento Sem Danos”.

A mesa foi dividida com Esther Maria de Magalhães Arantes, Psicóloga do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e membro da Comissão Nacional de Direitos Humanos do CFP, Cleia Oliveira Cunha, psicóloga, membro do NOAD e também da Comissão Nacional dos Direitos Humanos do CFP e com Veleda Dobke, Promotora de Justiça da Promotoria Civil do Fórum Regional da Restinga – Porto Alegre/RS.

Tendo se iniciado as exposições Dra. Esther foi pontuando e questionando acerca de quais são as demandas postas para o psicólogo na área jurídica, enfatizando ainda sobre as questões éticas quanto a estas demandas; levantou questionamentos sobre os debates polêmicos que se colocam para a psicologia no tempo presente nesta e nas demais áreas, tais como a redução da maioridade penal e a participação do profissional no sistema manicomial.

Esther também polemizou sobre o PL 35/07, que trata do depoimento sem danos para crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, para que sirvam, não só de testemunhas da violência que lhes acomete, mas também de crimes em geral, para fins de antecipação de provas. A profissional em questão, em relação a este ponto enfatizou que isto seria extremamente danoso para as crianças e adolescentes, pois que o PL não leva em consideração a idade e ainda, questionou se o direito de se expressar da criança equivale à obrigação de depor.
Exemplificou que em regiões violentas, onde imperam o tráfico de drogas a criança e o adolescente poderão sofrer eliminação sumária por parte dos traficantes para que não os denuncie antes mesmo de depor. Esclareceu a Dra. Esther que isto fere em muito os direitos humanos das crianças e adolescentes, afirmando que com a aprovação do PL em questão, haverá uma banalização da presença das crianças nos tribunais e que, além disso, o “Depoimento Sem Danos” é apenas um modo de inquirição, não o único, e, sendo assim, por que transformá-lo em lei?

Dra. Esther mencionou que em virtude das concepções divergentes acerca do que vem a ser a proteção integral, prevista no ECA, entre outros aspectos, que envolvem a profissão do psicólogo, neste meio profissional e as polêmicas que o DSD vem gerando, considerando as lutas conjuntas que foram e continuam sendo travadas, inclusive com a participação do conjunto CFESS/CRESS, em âmbito local e nacional, tais como a audiência pública ocorrida no congresso federal em Julho passado, foi solicitada a não aprovação do PL sem que ocorra anteriormente um amplo debate, envolvendo todos órgãos e entidades que trabalham na defesa dos direitos da criança e do adolescente, assim como, a sociedade civil em geral.

Na seqüência, falou a Psicóloga Cleia Oliveira Cunha, a qual discutiu a questão que envolve a diferença no tratamento que se dá às crianças e adolescentes pobres e das classes mais abastadas, afirmando que a questão do “menor” para o pobre ainda é muito presente na sociedade e que as crianças e adolescentes oriundos das camadas populares ainda não são vistas como sujeitos de direitos. Esta expositora também mencionou as deficiências das políticas públicas, citando o art. 226 da Constituição Federal, onde está expresso que a família deverá ter a proteção do estado, tendo este a obrigação de lhe prestar assistência na pessoa de cada um que a integra.

Cleia, referindo-se à sala que compõe o processo do “Depoimento Sem Danos”, onde há toda uma tecnologia, aparelhagem e equipamentos (TV, vídeo, pontos eletrônicos, brinquedos, etc), afirma que isto não garante a qualidade do atendimento, muito menos o afeto de que a criança e o adolescente necessitam na hora da “escuta”. Seguindo sua exposição, a profissional aponta para a necessidade de que haja um investimento do Estado e luta política dos profissionais para que as políticas públicas se efetivem e para que o Sistema de Garantia de Direitos funcione.

Neste sentido apontou para a necessidade da instalação das delegacias especializadas, capacitação e ampliação do quadro de profissionais do sistema judiciário, defesa de procedimentos jurídicos multiprofissionais e que os juízes e promotores sejam melhor preparados através de capacitação específica para atender crianças e adolescentes. Por fim, Cleia questiona por que o Depoimento Sem Danos e qual o valor de um parecer técnico dentro do sistema de justiça hoje?

Em seguida, procedemos a nossa fala, contextualizando todo o debate que temos empreendido no seio da categoria dos Assistentes Sociais, nossa participação conjunta com CRP e CFP em audiências públicas e na defesa das categorias, Assistentes Sociais e Psicólogos, no sistema judiciário.

Historicizamos como tem se dado o debate sobre o DSD, a partir da fundamentação dos pareceres encomendados pelo CFESS às profissionais, Dra. Eunice Fávero e Dra. Maria Palma Wolff, bem como das contribuições de outras profissionais que atuam nesta metodologia no RS. Já de início colocamos que, com base neste processo de lutas e debates o Conjunto CFESS/CRESS tomou a posição contrária ao DSD e ao PL em tramitação no 37o Encontro Nacional, porém que continuamos debatendo em virtude das questões polêmicas e da necessidade de construir um substitutivo para o referido projeto de lei.

A partir do documento discutido no último encontro nacional do CFESS/CRESS, intitulado “REFLEXÕES ÉTICO-POLÍTICAS SOBRE A METODOLOGIA ‘DEPOIMENTO SEM DANO (DSD) JUNTO A CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA, ABUSO OU EXPLORAÇÃO SEXUAL”, versão preliminar, embasamos a nossa exposição, apresentando os quatro pontos básicos que orientam nossa posição, quais sejam:

1) Crianças e Adolescentes e o Sistema de Garantia de Direitos no Brasil; também polemizamos quanto a ineficiência e inexistência de órgãos e políticas públicas que façam valer efetivamente os direitos das crianças e adolescentes, no sentido de evitar que a violência aconteça, bem como para restituir-lhes imediatamente o direito violado; questionamos acerca da inexistência e insuficiência de profissionais nos diversos órgãos que compõem o sistema de direitos, bem como a demora na execução dos processos judiciais  e, ainda, pontuamos alguns dados da conjuntura atual que apontam um crescimento significativo de denúncias e ocorrências de violência contra crianças e adolescentes, em especial pobres que exigem a urgência no funcionamento deste sistema;

2) Metodologia “Depoimento Sem Dano”: questionamos se esta metodologia tem sido demandada pela criança/adolescente ou se é uma dificuldade apresentada pelos/as magistrados/as, juízes/as e promotores/as, considerando suas dificuldades em interagir profissionalmente com crianças e adolescentes. Esclarecemos que o argumento de que os profissionais de Serviço Social e de Psicologia têm mais “habilidade” para interagir com crianças e adolescentes não pode ser aceito, vez que todos/as profissionais que atuam com seres humanos devem se capacitar, dentro de sua área do conhecimento, para tal. Pontuamos acerca da atribuição específica do juiz, conforme o previsto no Código de Processo Penal (CPP), que ordena o processo e onde se prevê que a oitiva, a inquirição é “papel exclusivo do/a juiz (presidente da audiência)…”; colocamos que a criança, nesta metodologia torna-se um mero “objeto” para fins de obtenção de prova contra o agressor, deixando de ser considerado o seu direito de conhecer explicitamente os procedimentos que envolvem o processo judicial, de participar da audiência em presença direta do/a magistrado/a, juiz/a, promotor/a e ainda, fere o seu direito de querer ou não falar, sendo,também desconsiderada a sua capacidade cognitiva de decisão e, portanto, fere o seu direito humano. Além disso, em termos profissionais, a sala da “audiência” em que o Assistente Social atua, não resguarda sigilo de som e imagem e, portanto, fere o nosso código de ética. Esclarecemos a importância de se investir na criação de varas especializadas, na política de atendimento a crianças e adolescentes, principalmente nos Conselhos Tutelares;

3) Metodologia do DSD e atribuições dos/as Assistentes Sociais: pontuamos acerca do nosso projeto ético-político, bem como nossos princípios e prerrogativas legais, previstos na legislação da profissão e no nosso código de ética, esclarecendo que não se encontra entre nossas atribuições a inquirição de testemunhas e/ou a “busca da verdade”, sendo este o fim último da audiência e que encontramo-nos em processo de superação de ações pragmáticas, priorizando estratégias de intervenção orientadas pelas concepções teórico, éticas, técnicas e metodológicas que norteiam a profissão em consonância com o projeto ético-político da profissão; que  o profissional tem que se fazer valer da sua autonomia ética e técnica e que, na medida em que se institua o DSD, aprovado em lei, o/a Assistente Social fica refém do/a juiz/a, tornando-se assim, intérprete, numa condição de subserviência, não sendo esta uma prática pertinente ao Serviço Social.; que nossa defesa pela não participação de assistente sociais nesta metodologia se deve a dos seguintes aspectos – o direito à proteção integral das crianças e adolescentes, que nesta metodologia não está garantida, pelo contrário, estes sujeitos ficam expostos e o fato disso não constituir atribuição e competência nossa. Também questionamos a quem serve o DSD? Quem ele protege de fato? Questionamos também por que não se fazem valer os instrumentos técnicos que já existem, tais como pareceres, laudos e perícias das equipes interdisciplinares e por que não fazer audiências interdisciplinares para avaliar se a criança tem condições de depor ou não e, ainda, se ela deve depor. Por fim, corroboramos as palavras da Dra. Esther, quanto aos perigos em se instituir uma lei que venha a ferir os direitos tão arduamente conquistados, como os previstos no ECA, uma vez que o PL 35/07 prevê alterações e incorporações nesta lei, a qual, ainda padece de implementação, pois que a ineficiência do Sistema de Garantia dos Direitos fere o Estatuo e os direitos das crianças e adolescentes.

Em seguida, a Dra. Veleda Dobke fez a sua exposição, contextualizando como surgiu a proposta do DSD no Rio Grande do Sul, onde ele vem sendo aplicado há cinco anos,pela 2ª Vara da Infância e da Juventude. A referida expositora enfatizou que realmente o objetivo da justiça é a busca da verdade, sendo a busca de provas o seu interesse primeiro, enfatizando que quem comete crime tem que ser punido, condenado.

Ao contextualiza, a expositora, Veleda, esclareceu que mediante as audiência pelas quais havia passado nas situações de crianças e adolescentes vítimas de violência e abuso sexual, observou que tais inquirições eram feitas muito sem os devidos cuidados, sem o preparo dos/as magistrados/as, os/as quais argüiam de uma forma imprópria, fazendo perguntas diretas, as quais deixavam as crianças nervosas, assim, como os próprios adultos também ficam muito nervosos com esta situação que se dá em audiências; disse ela que o ambiente da audiência é muito hostil e em virtude destas questões foi que ela e outros profissionais do direito passaram a se questionar: ‘”POR QUE NÃO NOS FAZERMOS VALER DE OUTROS PROFISSIONAIS PARA AS AUDIÊNCIAS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES?”, profissionais estes com conhecimento técnico e capacitação para a “escuta” melhor preparados do que os do direito. Dra. Veleda explicou de que forma se dá o DSD, sendo que a criança chega acompanhada do seu/sua responsável 30 minutos antes da audiência, sendo acolhida pela profissional, a qual vai ambientá-la e explicar todos os procedimentos, não lhe sendo negada nenhuma informação; são lhes mostrados todos os equipamentos e explicados os procedimentos, conta onde está o juiz, o promotor não é obrigada a depor. Assim, segundo a expositora, cria-se o clima de confiança necessário para o depoimento da criança e do adolescente e que isto tem sido um sucesso, a tal ponto que a proposição do PL partiu do RS. Dra. Veleda informou que o processo penal possui regras que devem ser seguidas e não podem ser modificadas, não havendo assim outras formas de construir o processo, sendo fundamental ouvir a vítima de violência sexual, sendo ela criança e adolescente ou não, como em qualquer outro crime praticado contra a pessoa. Falou que a revitimização ocorrida na oitiva das crianças é uma violência “que nós do direito fazemos sem ter capacitação”, justificando assim, mais uma vez, a importância de que os profissionais das outras áreas assumam a tarefa do DSD.

Fez  apelo para que os profissionais se sensibilizem quanto a necessidade de adoção desta metodologia, afirmando que tal não fere em nenhum momento os direitos da população atingida por ela e que é sim garantida a proteção integral nesta forma de inquérito; enfatizou que o psicólogo é o profissional melhor preparado para assumir esta função e elogiou a atuação do mesmo no sistema judiciário.

Na seqüência, houve debate, sendo levantados diversos questionamentos por parte da plenária, entre os quais, destacamos os mais relevantes, como:
– Se a criança, quando vai para o depoimento já relatou a violência ocorrida, então por que ela tem que depor?
– Por que os juízes e outros profissionais do direito não se capacitam?
– Por que não fazer valer a avaliação psicológica?
– O que fazer como o abusador: punir? Tratar?
– Como resolver os e do sistema judiciário?
– Se a psicologia é uma profissão parceira para o direito, como este vê a perícia e por que não a considera como prova, este não seria um caminho?
– A quem a profissão de psicólogo vai ajudar no DSD e se é sem dano, é sem dano pra quem?

Finalizando o debate, as componentes da mesa puderam esclarecer os questionamentos, cada uma com o seu enfoque e defesa da questão, sendo que na conclusão ficou explícito que existe um impasse entre a questão ética-técnica dos/as pro profissionais que atuam no sistema judiciário e a necessidade do direito; que há uma necessidade urgente de se rediscutir as atribuições destes/as profissionais no sistema, inclusive, dos/as profissionais do direito, bem como o aprofundamento do debate em âmbito nacional, no sentido de construir alternativas conjuntas e que contemplem direitos e interesses de todos os envolvidos.

Ressaltamos que tanto para as expositoras que representavam a psicologia, quanto pra nós, de que é necessário discutir a questão como um todo, principalmente os aspectos da proteção integral, a criança enquanto prioridade absoluta e a efetividade do sistema de garantia de direitos e o papel dos/as profissionais que compõem o sistema, havendo a necessidade de discutir um substitutivo para o PL 35/07.