19ª Conferência Mundial de Serviço Social – 2008

19ª Conferência Mundial de Serviço Social – 2008
Por Kellen Dalcin

Entre os dias 16 e 19 de agosto de 2008, foi realizada a “19ª Conferência Mundial de Serviço Social” que desta vez aconteceu na cidade de Salvador, capital da Bahia.

A Conferência contou com a participação de 2.691 assistentes sociais de 42 diferentes países dos cinco continentes, e foi a segunda vez que este evento de grande dimensão foi realizado em um país da América Latina, sendo que a primeira foi na Argentina.

Direitos e globalização:
Dois nomes de grande relevância iniciaram as atividades da Conferência: a canadense Ellen Wood e o brasileiro José Paulo Netto. Ambos retrataram as implicações para “O desafio de concretizar direitos numa sociedade globalizada e desigual”, tema da 19ª Conferência Mundial.

Ellen retratou as principais características do sistema capitalista e da concepção de direitos neste contexto. Segundo ela, “o capitalismo não é a forma mais adequada para garantir as necessidades humanas, pois ele é voltado ao que dá lucro e não ao que necessitamos como trabalhadores”.

A canadense afirmou também que por mais que o capitalismo torne-se cada vez mais rentável economicamente, ele não conseguirá extinguir a miséria e a pobreza, e cita os Estados Unidos como um exemplo desta lógica, tendo em vista que o número de pessoas em situação de pobreza também vem crescendo no país mais rico do mundo.

Wood expõe que a globalização não pode ser entendida como uma “tendência global” que se deu naturalmente, mas que foi forçada por governos locais. Segundo ela, “(…) se falamos de globalização, falamos do agravamento das desigualdades, do crescimento da diferença entre ricos e pobres no mundo todo, das crises ambientais e das conseqüências de um sistema capitalista”.

Ellen Wood relata que “(…) em uma sociedade com direitos sociais tão fragilizados, em que a existência foi substituída pelo lucro, os assistentes sociais se colocam na linha de frente na luta pela democracia, e portanto, devemos lutar pela garantia dos direitos sociais com a mesma rigidez com a qual tratamos os direitos civis e políticos”.

A fala de José Paulo Netto reafirmou alguns aspectos citados por Ellen, especialmente no que diz respeito ao aumento das desigualdades a partir do processo de globalização, que segundo ele não pode ser compreendido apenas como algo natural. Segundo ele, a globalização fortaleceu estados nacionais ricos, tornando países como o Brasil e outros países em desenvolvimento no que ele mesmo denominou “periferia infernal do capitalismo”. Netto exemplificou que o estágio atual do capitalismo caracterizou o “(…) desmonte das políticas sociais nos países ricos, e nos países periféricos, o aumento da pobreza, sua conseqüente naturalização e criminalização do pobre”.

Feitas estas considerações, José Paulo Netto retrata alguns aspectos relevantes para o exercício profissional dos assistentes sociais para o enfrentamento das condicionantes impostas pelo sistema capitalista. Segundo ele, muitas vezes “(…) pensamos políticas sociais sem planejamento econômico, e até mesmo, restringimos a intervenção à necessidade de mudanças culturais e morais. Neste sentido, não podemos pensar na garantia de direitos sem reconhecer as determinações políticas conjunturais e de nossa intervenção”.

Netto afirma que se partirmos deste entendimento, a prática interventiva ficará voltada aos direitos humanos, mas em nenhum momento é possível diferenciar direitos humanos de direitos sociais. Segundo ele, “(…) apenas a consagração de direitos legais não será suficiente”.

Ele coloca como desafios à intervenção profissional, na consolidação de direitos sociais:
– A análise concreta da realidade: segundo Netto, os 470 empresários mais ricos do mundo detêm renda igual à de 8.2 bilhões de pessoas empobrecidas no mundo. Dados como este, permitem exemplificar em grande escala o processo de desigualdade social que se apresenta em nossa sociedade.

– “Romper com nosso provincianismo”: ele ressaltou a necessidade de “mundializar” nossa articulação, ampliando o diálogo com outras profissões, rompendo com práticas coorporativistas;

– “Abandonar o falso neutralismo”: é fundamental, segundo ele, compreender o caráter político de nossa intervenção, e para tanto, não podemos esconder as contradições presentes no cotidiano;

Dado este contexto, ele encerra sua participação afirmando que apesar da globalização ter transformado trabalhadores em meros consumidores, a partir de processos de enfraquecimento por meio de ditaduras e limites ideológicos, os assistentes sociais devem expressar as demandas da classe trabalhadora, fortalecendo as ânsias da classe trabalhadora nesta sociedade.

Por fim, ele nos traz um elemento para reflexão quanto aos rumos do sistema capitalista, sob a concepção marxista: “(…) a crise do capitalismo pode desmanchar no ar a concretude de suas bases”.

A atuação dos assistentes sociais numa sociedade globalizada e desigual:
Assistentes Sociais de todo o mundo apresentaram trabalhos durante as mesas temáticas e seções orais, estas com um número expressivo de aproximadamente 750 trabalhos expostos.

Durante estes momentos, foi possível conhecer um pouco mais da intervenção do Serviço Social em outros países com características econômicas, sociais e culturais extremamente diferentes do Brasil, como por exemplo, Alemanha, Austrália e Noruega.

De forma geral, pode-se dizer que a atuação dos profissionais em países Europeus ou da América do Norte, tornam-se distintas das práticas profissionais na América Latina, especialmente pelas demandas que se apresentam para o Serviço Social.

Estas contradições, em suas diversas formas, trouxe uma característica fundamental à Conferência Mundial: a integração entre profissionais de todo o mundo, com possibilidades de vislumbrar os desafios e articulações que se colocam para o Serviço Social.

Agenda de Lutas para o Serviço Social:
A última mesa da 19ª Conferência foi composta pelas assistentes sociais Marilda Villela Iamamoto e a americana Elvira Craig de Silva. Ambas expuseram alguns elementos que se colocam primordiais à intervenção profissional na atualidade.

Elvira retratou a necessidade de articulação política para propor a intervenção, em especial, na América Latina, devido suas potencialidades e semelhanças políticas e culturais. Segundo ela, “(…) estamos reconhecendo novamente nossa raiz para valorizar o saber local e das comunidades, pois elas têm o conhecimento e a força que devem ser retomadas pelo Serviço Social no sentido de ampliar laços com outras influências locais, políticas e também, de outras categorias”.

Ela também expressou em sua fala, a necessidade de garantir a autonomia profissional do Serviço Social, e para tanto, deve-se estar atento as possíveis relações de subordinação e supervisão de outras profissionais, ou até mesmo, o inverso.

Elvira reforça que o Serviço Social é uma profissão internacional e política, para a qual se apresentam demandas diversas em todos os países, independentemente de sua localização geográfica. Portanto, é importante acompanhar as mudanças demográficas da sociedade, destacando o aumento da população idosa e os grandes processos de migração.

Encerrando sua participação, Elvira destaca a necessidade de valorização do Código de Ética Profissional como “(…) cobertura para a atuação profissional, especialmente no que tange as situações novas e específicas para as quais não se tem metodologia de intervenção”.

A fala final da Conferência foi proferida pela Profª. Marilda, que abordou elementos perspectiva teórico-metodológicas para o Serviço Social no século XXI. Ressaltaremos alguns dos aspectos citados em sua fala, que permitem a reflexão sobre o exercício profissional:

“O pluralismo se constrói no embate teórico e respeitoso, mas não pode ser confundido com o ecletismo”: há uma relação necessária para esta construção, que perpassa o fortalecimento das bases de legitimação do Serviço Social, a garantia de qualidade na formação e a definição de alguns parâmetros internacionais para a profissão. Para tanto, é imprescindível apoiar o diálogo acadêmico que contemple a definição da profissão, compreensão da categoria direitos humanos e da dimensão educativa, a garantia de um projeto ético-político para todos os países e afirmar a direção social no trabalho cotidiano, por meio da mobilização dos sujeitos sociais,

“A ordem burguesa é contraditória”: faz-se fundamental a análise conjuntural. A sociedade globalizada prevê direitos e liberdades que não são efetivadas pois esta mesma ordem burguesa “barra” o acesso pelas classes trabalhadoras. Entretanto, “(…) tudo que limita o mercado pela tensão da conquista de direitos, também renova, reitera e ratifica novas formas de regulação”. Reitera-se a relevância da articulação entre as profissões e as políticas para fortalecer esta luta na garantia dos direitos, tarefa esta, a ser debatida e ampliada mundialmente, estimulando redes de intercâmbio de práticas e pesquisas do Serviço Social no mundo todo;

“Atitude crítica e defensiva das prerrogativas profissionais”: cultivar tal aspecto perpassa pela qualidade da formação profissional e dos serviços prestados. O contexto atual, em que também se apresenta a disseminação de cursos sem qualidade, vem desenhando uma realidade na qual se denota a fragilidade no enfrentamento às direções políticas e sociais, e portanto, fica o compromisso de estabelecer a “(…) vigilância crítica da sociedade”. E cabe a nós, assistentes sociais, “(…) viver e interferir nos rumos da história”.