Dia Latino-Americano e Caribenho pela Descriminalização e Legalização: por que essa pauta importa para o Serviço Social?

Em 28 de setembro, o CRESS-PR se une a diversas organizações e movimentos sociais em todo o continente para marcar o “Dia de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto na América Latina e Caribe”. Essa data é emblemática na agenda das lutas feministas, já que representa a mobilização na defesa do direito das mulheres à autonomia sobre seus corpos e considera o direito à interrupção segura da gravidez como pauta de saúde pública.


A interrupção da gravidez é um tema amplamente cercado por estigmas, questões morais e criminalização, especialmente afetando mulheres pobres e negras. Assistentes sociais, que frequentemente trabalham com esse público, devem abordar essa questão segundo o Projeto Ético e Político do Serviço Social, reconhecendo as complexas dinâmicas sociais, incluindo sistemas de opressão baseados em gênero, raça e classe. Isso é crucial para garantir a justiça social e a igualdade de direitos.


“(…) assistentes sociais devem atuar para viabilizar o acesso aos direitos sociais, independentemente de suas crenças e de seus valores pessoais, pois, assumir uma profissão, pressupõe também estar de acordo com o projeto e com os valores éticos e políticos por ela defendidos.”


Conforme o Código de Ética da profissão, as/os assistentes sociais devem assegurar o acesso aos direitos sociais em consonância com os valores éticos e políticos da profissão. Tratar questões sociais, como o aborto, de forma competente e sem moralização, é essencial para garantir a qualidade dos serviços.


Questão de saúde pública

O debate sobre a descriminalização do aborto no Brasil é polêmico e ganhou destaque recentemente com a retomada da votação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para permitir o procedimento até a 12ª semana de gestação. 

As opiniões dividem-se entre defensores, com base na saúde pública e na segurança das mulheres, e oponentes, com base em razões religiosas. Independentemente da posição, o aborto é uma questão de saúde pública no Brasil devido às mortes e internações resultantes de procedimentos clandestinos e inseguros. 


Informações da Pesquisa Nacional de Aborto (PNA) de 2021 indicam que, aproximadamente, uma a cada sete mulheres que se aproximam dos 40 anos já passou por pelo menos um aborto, a maioria antes dos 19 anos. Destas mulheres, 43% precisaram de hospitalização para concluir o procedimento.


Apesar da proibição, o aborto continua a ocorrer anualmente em condições precárias de saúde, levando muitas mulheres à internação ou à morte. Em 2020, o SUS realizou 80.948 procedimentos após abortos malsucedidos, resultando em uma morte a cada 28 internações, conforme dados do SIH-SUS. 


Além disso, em média, cinco crianças de 10 a 14 anos foram hospitalizadas diariamente em 2019 devido ao aborto, seja previsto em lei ou espontâneo. Isso totalizou 150 crianças internadas por mês.


Entre 2010 e 2020, o aborto figurou entre as principais causas de morte materna no Brasil, de acordo com dados do SUS. No período de 2012 a 2022, foram registradas 483 mortes por aborto em hospitais da rede pública de saúde, com base na análise de 1,7 milhão de internações relacionadas à gravidez que resultou em aborto no Sistema de Informações Hospitalares (SIH-SUS). 


Em casos de internação devido a tentativas de aborto mal-sucedidas, o risco de morte foi 140 vezes maior do que em todas as outras categorias combinadas. Entre 2009 e 2018, o SUS documentou oficialmente 721 mortes de mulheres por aborto.


Os dados sobre internações e mortes relacionadas ao aborto destacam que as mulheres mais afetadas são as pretas, pardas e indígenas. Nos últimos dez anos, seis em cada dez mortes por aborto foram de mulheres pretas ou pardas. Segundo a Pesquisa Nacional de Aborto de 2021, a maior ocorrência do procedimento foi entre mulheres indígenas. Já as mulheres pardas têm mais que o dobro de risco de morte em comparação com mulheres brancas.


É importante enfatizar ainda que os dados relativos ao aborto no Brasil são subestimados devido à ausência de uma categoria que classifique o aborto inseguro (realizado de forma provocada e fora das vias legais) no sistema Datasus.


Posicionamento do Conjunto CFESS-CRESS com relação à legalização do aborto

Em 2010, o conjunto CFESS/CRESS rejeitou a criminalização do aborto e adotou a posição a favor da legalização no Brasil. Atualmente, o aborto induzido é crime, exceto em casos específicos, como estupro ou risco à vida da gestante, mas essas exceções não o tornam legal, apenas escusas absolutórias*.


Apoiar a legalização visa criar uma rede de apoio multidisciplinar às mulheres, oferecendo assistência psicológica e social, fortalecendo a prevenção da gravidez indesejada e protegendo aquelas sob coação em uma sociedade patriarcal. 


Assistentes sociais desempenham um papel crucial nesse contexto, garantindo o acesso ao aborto legal, disseminando informações sobre direitos sexuais e reprodutivos e lutando pela legalização, evitando julgamentos morais e promovendo o acesso universal à saúde.


Votação no STF

No dia 21 de setembro, a ministra Rosa Weber votou a favor da descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação, enfatizando que questões religiosas e morais não devem ser usadas para julgar o assunto, promovendo um debate democrático. Ela argumentou que não existe consenso sobre o início da vida humana em campos como filosofia, religião, ética e ciência, e que essa definição não é da alçada do campo jurídico.


Rosa Weber também ressaltou que a maioria das decisões históricas sobre a criminalização do aborto foi influenciada por homens e sublinhou a relevância dos direitos reprodutivos. Esses direitos dizem respeito à escolha de ter ou não filhos, sendo considerados uma questão de autonomia e intimidade, defendendo que o Estado não deve interferir para evitar qualquer forma de violência institucional.


*Escusas absolutórias são circunstâncias que, quando presentes, isentam uma pessoa de responsabilidade criminal ou civil por suas ações. Exemplos incluem legítima defesa, consentimento, necessidade, coação, insanidade e erro honesto. As leis variam de acordo com o país, e essas escusas são usadas em tribunais para decidir se alguém é culpado ou responsável por suas ações.