Mais de 200 casos de hanseníase foram diagnosticados no Paraná em 2021

A campanha Janeiro Roxo busca conscientizar sobre a importância do diagnóstico precoce da doença

O Paraná registrou 222 casos de hanseníase em 2021, sendo que 80% eram casos graves. Os dados são do Boletim Epidemiológico de hanseníase do Sistema de Informação de Agravos de Notificações (Sinan) e da Secretaria do Estado da Saúde do Paraná (SESA/PR). Segundo a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), no Brasil são diagnosticados mais de 30 mil novos casos da doença todos os anos, sendo que cerca de 15 mil casos são em crianças menores de 15 anos.

O Brasil, junto com a Índia e a Indonésia, é responsável por cerca de 80% dos casos detectados no mundo, de acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). O principal problema da hanseníase é a incapacidade física ocasionada pelo comprometimento de nervos, que atinge os membros superiores (mãos e braços) e inferiores (pernas e pés). A doença é infecciosa e milenar, transmitida por via aérea assim como as gripes, tuberculose e meningites. Causada pela bactéria Mycobacterium Leprae, também conhecida como bacilo de Hansen, na antiguidade a doença era conhecida como lepra.

Muitas vezes o diagnóstico tardio acaba trazendo sequelas, como é o caso de Francisca Barros da Silva, conhecida como Dide da Hanseníase. Quando percebeu algumas manchas amortecidas pelo corpo, ela procurou ajuda médica. “Tinha muita dor nos dedos, nos nervos, minhas mãos começaram a ficar em forma de garra. Foi quando procurei o médico, mas não fui diagnosticada imediatamente, o que me deixou com sequelas. O diagnóstico só veio quando fizeram uma biopsia da mancha e o médico disse que eu estava com lepra e que eu ia morrer caindo aos pedaços”, recorda.

Janeiro Roxo e a importância do diagnóstico precoce

A campanha Janeiro Roxo faz alusão ao Dia Mundial contra a hanseníase, celebrado no último domingo de janeiro. O objetivo é conscientizar a população sobre a cura da doença, a importância do diagnóstico precoce e o tratamento gratuito da doença pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

A hanseníase tem cura. Mesmo assim, por ser uma doença que atinge os nervos da pele, pode causar incapacidades e deformidade severas, principalmente se diagnosticada e tratada de forma tardia. O tratamento de Dide da Hanseníase não foi fácil. Ela conta que não tinha dinheiro para passagem para ir até a Barão do Rio Branco, onde era feito o tratamento. “Uma vez por mês um médico vinha até minha casa, me dava o dinheiro da passagem e eu ia com a minha filha no colo para ser atendida. Depois, passei a fazer o tratamento nas Unidades de Saúde”.

Dide ficou com sequelas da doença. Além de não ter os dedos dos pés, ela se machucou há um ano e pela falta de conhecimento nas unidades de saúde, acabou desenvolvendo uma úlcera. “Também tenho sequelas nas mãos, que ficaram em garra, com os dedos virados para fora. Tenho dificuldade em pegar as coisas, tudo que uso é adaptado”.

O tratamento e o diagnóstico precoce são fundamentais, pois além de prevenir sequelas e incapacidade, assim que o paciente inicia a medicação ele para de transmitir o bacilo. Hoje, aposentada por auxílio-doença e voluntária do Movimento de Reintegração de Pessoas Afligidas pela Hanseníase (Morhan) e do Instituto Internacional Aliança contra a Hanseníase, Dide conta que sofre preconceito até hoje. “Tenho obrigação de explicar para as pessoas o porquê fiquei assim. O mercado de trabalho para mim foi muito difícil, eu trabalhei como diarista, em posto de gasolina, de servente de pedreiro. Foi e ainda é muito difícil, mato um leão por dia para sobreviver. Ninguém dá um emprego para quem tem sequelas”, desabafa.

O tratamento completo contra a hanseníase tem duração média de seis meses a um ano. Após a alta por cura, a pessoa e as pessoas com as quais convive devem ser acompanhadas anualmente durante os próximos cinco anos. “Por ser uma doença de longa evolução, a pessoa e seus contatos deverão ficar sempre atentos aos sinais e sintomas de alerta. E se a pessoa ficou com alguma sequela e/ou incapacidade física, deverá manter periodicamente o acompanhamento e avaliação de grau de incapacidade física para evitar o seu agravamento”, explica Sueli Preidum de Almeida Coutinho, Assistente Social Sanitarista na Vigilância Epidemiológica da 2ª Regional de Saúde Metropolitana, Coordenadora Regional do Programa de Hanseníase e responsável técnica pela Vigilância da Gripe.

Histórico da doença

A hanseníase era conhecida como doença de Lázaro ou chamada de lepra. Em diversos escritos na história a enfermidade era associada ao pecado, à impureza, à desonra, tendo inclusive na bíblia, passagens relacionando a doença a um castigo divino, tanto que eram os sacerdotes que faziam o diagnóstico, não os médicos.

Historicamente, pessoas com hanseníase foram marginalizadas. “Sem cura para doença, eram forçadas a viver em reclusão, proibidas de entrar em igrejas, tabernas e mosteiros. Não podiam se aproximar, tomar banhos e beber água próximo ou no mesmo lugar em que outras pessoas não contaminadas estivessem”, contextualiza Taiane Sousa Azevedo, Assistente Social e servidora pública lotada no Hospital de Dermatologia Sanitária do Paraná (HDSPR).

Com a descoberta da eficácia da sulfona na metade do Século XX, possibilitou-se que o quadro incurável da doença fosse revertido. “A partir desse medicamento, houve a oportunidade de cura, que foi consolidada em 1987 com a Poliquimioterapia (PQT). O isolamento deixou de ser obrigatório e o tratamento passou a ser ambulatorial, ficando a internação restrita apenas aos casos mais graves da doença”, acrescenta a servidora pública.

Preconceito

Ainda assim, existe muito preconceito e discriminação contra as pessoas com hanseníase pela a falta de informação da população. Segundo Sueli, ainda existe muito preconceito contra pessoas que têm hanseníase. “O preconceito em geral se manifesta por um desejo de afastamento radical da pessoa acometida pela hanseníase, fruto do entendimento que essa pessoa deve ser isolada e excluída de todas as atividades sociais”, explica.

No Brasil, com o objetivo de amenizar o estigma instituído pela doença até então, em 1995 foi promulgada a Lei Nº 9010, determinando alteração da denominação da doença para hanseníase. “Foi uma estratégia para o combater o preconceito e trazer um novo olhar para seu enfrentamento”, acrescenta Sueli.

Doença negligenciada

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil está em segundo lugar no mundo em número de casos perdendo apenas para a Índia. No país, estão concentrados 90% dos registros da doença nas Américas. “Ainda assim, a hanseníase é considerada uma doença tropical negligenciada, cercada de muito preconceito e desinformação”, explica Taiane.

Neste contexto, se torna ainda mais importante a campanha Janeiro Roxo, pois a informação é necessária para combater o preconceito e também evitar problemas futuros para quem sofre com a doença. “É importante falar que doenças negligenciadas não recebem a devida atenção e investimentos no atendimento médico, no desenvolvimento de medicamentos e de métodos diagnósticos, e nas condições sociais de vida das populações, para que possam se combater os vetores”, acrescenta Taiane.

Direitos das pessoas com hanseníase

A pessoa atingida pela hanseníase tem direito ao diagnóstico precoce e ao tratamento totalmente gratuito pelo SUS. Além do tratamento com a PQT, essas pessoas têm direito a realizar cirurgias reparadoras, ao fornecimento de órteses (palmilhas, calçados, entre outros) e próteses, à orientação para a prevenção de incapacidades físicas e ao atendimento com equipe multiprofissional/multidisciplinar, compostas por Assistentes Sociais, Psicólogas (os), Fisioterapeutas, Terapeutas Ocupacionais, equipes de enfermagem e médica.

“O direito a não discriminação é fundamental para a garantia do direito ao trabalho, escola, lazer e ao convívio social. Não podemos admitir retrocessos ao tempo que existiu o isolamento compulsório para as pessoas atingidas pela hanseníase. Os pacientes também têm direito à informação sobre o seu diagnóstico e tratamento, sobre benefícios previstos pela Previdência Social, Assistência Social, direitos trabalhistas e isenções tributárias”, informa Sueli.

As pessoas que apresentam incapacidade física permanente pela hanseníase também têm direitos previstos em lei. Se for trabalhador (a) contribuinte da Previdência Social, a pessoa tem direito à reabilitação e reinserção ao trabalho, direito ao auxílio-doença e aposentadoria por invalidez; se abrangida pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), a pessoa tem direito ao Benefício de Prestação Continuada (BPC). No Paraná, se a pessoa for residente por pelo menos cinco anos antes do diagnóstico da doença, terá direito a uma pensão específica mensal no valor de um salário mínimo nacional, conforme previsto pela Lei Estadual Nº 8.246/1986.

Também temos no Brasil a Lei federal de nº11.520/2007, que garante pensão especial para pessoas atingidas pela hanseníase que estiveram submetidas a isolamento e internação compulsórios em hospitais-colônia até 31 de dezembro de 1986.

Sobre Políticas Públicas destinadas às pessoas com hanseníase, Sueli destaca que especificamente temos no SUS as diretrizes para a vigilância, atenção e eliminação da doença como problema de saúde pública. “Mas, infelizmente, como doença reconhecida e negligenciada pelos governos em outras áreas das políticas públicas, pouco ou quase nada temos especificamente para a pessoa atingida”, explica.

Teste rápido

Dados do Ministério da Saúde mostram que, entre 2016 e 2020, foram diagnosticados 155,3 mil casos de hanseníase no Brasil. Do total, 86,2 mil ocorreram em pessoas do sexo masculino, que representam 55,5% dos pacientes. Para trazer mais eficácia e rapidez ao diagnóstico e início do tratamento, o Ministério da Saúde informou que serão distribuídos testes rápidos para as Unidades de Saúde do SUS.

O Brasil é o primeiro país em todo o mundo     a ofertar os exames dos tipos GenoType e NAT Hans gratuitamente. Segundo o Ministério da Saúde, foram investidos R$ 3,7 milhões na compra dos testes, que serão distribuídos até o fim de 2022 para dez estados brasileiros e até o fim de 2023 os testes devem chegar em todas as 27 unidades federativas do país.

Serviço Social no combate à doença e ao preconceito

O Conselho Regional de Serviço Social do Paraná (CRESS-PR) enfatiza que a categoria assume, a partir de um compromisso ético-político, a defesa da vida, de denunciar e se colocar contra as injustiças, violações, preconceitos e discriminações. “Estamos inseridos nos mais diversos espaços que atendem a população atingida pela hanseníase, acolhendo e realizando serviços de orientação e encaminhamentos na luta pela garantia dos direitos dessas pessoas”, enfatiza Taiane.

O momento histórico de crise sanitária, política, social, ambiental e econômica que vivemos mostra que, para além do fazer cotidiano nas demandas institucionais, são necessárias articulações com outras entidades e sujeitos que fazem parte desta luta. Algumas dessas entidades são os conselhos de direitos da saúde, da pessoa com deficiência e outros seguimentos, como o Ministério Público (MP), associações e movimentos sociais, como o Movimento de Reintegração de Pessoas Afligidas pela Hanseníase (Morhan), a Sociedade Brasileira de Hansenologia (SBH), Associação dos Deficientes Físicos do Paraná (ADFP) e demais entidades representativas da sociedade civil. “Esses instrumentos de mobilização e pressão popular são fundamentais para eliminação da hanseníase, do preconceito e na construção de uma sociedade mais inclusiva para pessoas atingidas pela doença”, acrescenta Taiane.