Dia Internacional da Mulher: pandemia agravou a desigualdade e o Serviço Social ganha cada vez mais importância

O Dia 8 de março possui uma importância histórica para as mulheres de todo o mundo e a cada ano é motivo para reforçar as lutas e continuar reivindicando os direitos das mulheres e a igualdade de gênero por todo o mundo.

A ideia de uma celebração surgiu após uma manifestação do Partido Socialista da América, em 20 de fevereiro de 1909, que buscava a igualdade dos direitos civis e pelo voto feminino. Uma reunião da Internacional Socialista, em 1910, oficializou que haveria uma celebração anual, mas ainda sem data fixa. E no dia 8 de março de 1917, as mulheres da Rússia Imperial organizaram uma grande manifestação em luta de melhores condições de vida no país. O movimento uniu mais pessoas e foi uma das precursoras da Revolução Russa de 1917. A data do 8 de março foi oficializada mundialmente pela ONU no ano de 1975 e hoje é celebrada em mais de 100 países.

Mas o 8 de março, mais do que ser celebrado, se tornou uma data para ser um momento de reflexão e de reforço na luta pelos direitos civis, pelos direitos reprodutivos e sexuais, pela autonomia do próprio corpo, pelo direito ao aborto, pela igualdade de gênero nos mais diferentes segmentos da sociedade e outras causas de igual importância como o combate ao machismo, racismo, homofobia, transfobia, entre outros tipos de preconceitos.

Ao longo dos últimos anos, o Brasil enxergou algumas evoluções em relação à conquista dos direitos das mulheres, como foi o caso da Constituição de 1988 que trouxe garantias legais para a igualdade das mulheres. Os anos 80 trouxeram ainda as primeiras delegacias das mulheres e centros de atendimento à mulher. Em 2003, também houve a criação da Secretaria de Políticas para Mulheres; em 2006 a Lei Maria da Penha; e em 2015 a Lei 13104/2015, que previu o feminicídio.

Mas para além das leis, a realidade se impõe. E com isso, também a desigualdade gritante entre homens e mulheres na nossa sociedade. Apenas em 2018, foram 145 mil casos de violência, segundo o Sistema de Agravo de Notificação (Sinan) e uma morte de mulheres a cada duas horas, segundo o G1. As desigualdades também se estendem para outros campos como o mercado de trabalho, por exemplo. Ainda que com melhor formação, elas estão menos presentes em cargos de liderança e ganham menos e estão em trabalhos mais informais e instáveis.

Mas a situação piorou consideravelmente durante a pandemia, quando mais pessoas passaram a ficar em casa. O Brasil possui hoje a quinta maior taxa de feminicídio do mundo. Apenas em cinco estados foram mais de 1,8 mil feminicídios apenas em São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará, Bahia e Pernambuco em 2020. No Paraná, foram 217 inquéritos no ano passado, aumento de 3,8% em relação a 2019.

“Nos períodos de isolamento social, crianças e mulheres sofreram ainda mais com a violência física, psicológica e sexual dentro de suas casas. Muitas passaram a conviver por um período maior com os autores das violências das quais são vítimas e por este mesmo motivo tiveram mais dificuldades de acessar serviços públicos para denúncia e atendimento”, ressalta Jaqueline Fernanda Machado, assistente social da Prefeitura Municipal de Toledo e integrante do Conselho Municipal dos Direitos das Mulheres da cidade.

“As mulheres têm que encarar jornadas duplas ou triplas sem remuneração e estão sobrecarregadas. Além disso, há a questão da violência. A casa que deveria ser o lugar de proteção não é. O isolamento traz uma vulnerabilidade ainda maior para essas mulheres e as isola de suas redes de proteção que incluem a presença de familiares, amigos e serviços sociais, dificultando a realização de denúncias”, afirma Sueli Galhardi, gestora em Serviço Social da secretaria municipal de políticas para mulheres da Prefeitura Municipal de Londrina.

A precarização do trabalho, o desemprego, a falta de renda e a falta de acesso a serviços essenciais e as visões neoliberais que trouxeram a precarização de políticas públicas também apresentaram amplo crescimento e foram agravantes nesse período. A paralisação dos serviços também colocou trabalhos informais em risco, como é o caso das trabalhadoras domésticas, que não tiveram qualquer segurança nesse período. A covid-19 também tem se refletido de forma cruel entre as mulheres. 77% das mulheres grávidas que morreram no mundo estão no Brasil. Além disso, o setor da saúde é composto essencialmente por mulheres (cerca de 70%), o que as coloca em posição de risco ainda maior.

“A pandemia da Covid19 teve um impacto terrível sobre as mulheres. São as mulheres, que estão em sua maioria nos trabalhos informais e precários, enfrentam ainda mais a sobrecarga de cuidados com a redução das políticas públicas. A tragédia da pandemia foi muito além do vírus e das mortes: com o aumento da pobreza e o crescimento da população em situação de rua. E também afetou aquelas com filhos pequenos. Não tem com quem deixá-los e muitas continuam trabalhando em casa e ainda cuidam dos filhos. Elas têm que encarar jornadas duplas e triplas não remuneradas”, explica Elza Campos, assistente social integrante do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Curitiba e da direção nacional da União Brasileira das Mulheres.

Serviço Social

E é no sentido de lutar contra todas essas desigualdades que o Serviço Social ganha tanta importância nesse momento. Jaqueline Machado explica que cabe às (os) assistentes sociais “reconhecer que a violência advém, em grande medida, das relações desiguais entre mulheres e homens, assumir o papel de facilitador de reflexões e propiciar a possibilidade de construção de novas jornadas pautadas na igualdade de gênero e na não violência”. Jaqueline atua no CREAS II de Toledo, integra o Conselho Municipal dos Direitos das Mulheres de Toledo e milita pela Marcha Mundial das Mulheres, além de participar da construção do Coletivo Feminista Mulheres para Si.

Nesse sentido, as assistentes sociais estão presentes em diversos órgãos públicos, nos serviços de saúde, Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), nos Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), órgãos e serviços de saúde, de educação, de segurança, de justiça e de assistência social.

Em Londrina, Sueli Galhardi é também coordenadora da rede municipal de enfrentamento da violência doméstica familiar e sexual contra das mulheres do município, um trabalho baseado na Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência Contra a Mulher, de 2007 e que tem quatro eixos estruturantes: a prevenção, assistência, combate e garantia dos direitos humanos. A rede possui grupos de trabalho e é responsável por realizar a articulação e o diálogo entre os serviços que compõem a rede como os juizados de violência doméstica, delegacias da mulher, casas abrigo e outros serviços especializados para a elaboração de políticas integradas de combate à violência contra a mulher. “Buscamos melhorar a qualidade do atendimento da rede e aprimorar o acesso aos serviços, dos sistemas de monitoramento de agravos, além de construir indicadores, materiais e pesquisas que ajudarão na elaboração de políticas públicas. Como assistentes sociais temos que lutar contra a violação dos direitos das mulheres e não há outro caminho que não seja o de fortalecer as lutas feministas”, destaca.

Elza Campos afirma que as (os) assistentes sociais têm estabelecidos em seu Código de Ética princípios de defesa intransigente dos direitos humanos. A profissional reforça que os desafios da profissão se intensificaram durante a pandemia por conta de diversos tipos de violência que incluem a exclusão, discriminação, exploração, opressão, desigualdade social, relações de poder. Ela afirma que se faz cada vez mais necessário se aproximar cada vez mais dos estudos de gênero e da teoria feminista emancipacionista. “Dessa maneira, podemos compreender os limites da sociedade atual, livrar-nos de culpas históricas e incorporar reflexões teóricas que contribuam com o cotidiano profissional. Não existe luta sozinha (o). É preciso participar das organizações da categoria profissional, das organizações feministas, de movimentos sociais, para nos fortalecermos, para que possamos mudar essa realidade caótica que vivemos”, reitera.

Elza é mestre em Educação, integra o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Curitiba e participa da Câmara Temática de Ética e Direitos Humanos do CRESS-PR. Além disso, participa da Frente Feminista de Curitiba e Região Metropolitana e da direção nacional da União Brasileira de Mulheres, organização de grande história na luta feminista no cenário brasileiro. O grupo nascido em Salvador, em 1988 está presente hoje em diversos movimentos da sociedade, em conselhos e órgãos como dos direitos humanos, das mulheres e da saúde. “Estamos presentes nas lutas contra as opressões de classe, gênero, raça e orientação sexual, entendendo as raízes de um país que carrega a herança da colonização, impondo um combate de conteúdo anticolonial, antipatriarcal e anticapitalista”, resume. Ela também foi presidente da entidade entre 2010 e 2014.