O Serviço Social e seu papel para garantir a justiça no combate à violência contra a mulher

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No debate sobre o combate à violência contra a mulher, os órgãos de justiça adquirem uma importância fundamental. Afinal, ainda que a legislação brasileira conte com um arcabouço importantíssimo como a Lei Maria da Penha e do Combate ao Feminicídio é possível perceber que na prática a realidade é outra. As carências vão da falta de atendimento adequado por parte de órgãos de segurança e saúde pública, da falta de acesso a canais de denúncia até a falta de proteção em relação a medidas de proteção e falta de punição para agressores.

Os problemas são muitos, mas para a assistente social do Tribunal de Justiça do Paraná, Fernanda Camargo, a maior necessidade é visibilizar a violência contra a mulher e entender de fato a sua realidade. Fernanda atua na Vara da Infância e da Juventude de Curitiba e percebe o papel da violência, bem como a responsabilização e desproteção das mulheres nas relações familiares.

“Me salta aos olhos como a violência contra a mulher aparece como pano de fundo nos processos de medidas de proteção e destituição do poder familiar de mulheres e adolescentes. A mãe muitas vezes é vista como a mulher responsável pela desproteção dos filhos, enquanto os homens dificilmente são responsabilizados, dificilmente participam das audiências e intervenções das redes de proteção”, ressalta ela.

Apesar do foco de trabalho de Fernanda estar nas crianças e adolescentes, ela destaca que é preciso enxergar esse contexto e fazer com que as medidas de proteção não sejam mais uma violência contra elas. “Acontece uma inversão de foco e responsabilização. A mulher passa a ser entendida como algoz dos filhos mas na verdade ela é vítima do agressor. Faz parte da cultura patriarcal em que vivemos e que é agravada pelas condições de classe e raça. Elas sofrem violência de todos os tipos, com a precarização do trabalho, da moradia, da saúde e de acesso à renda, à educação para os filhos e outros fatores. Também trabalho por insistir que as autoridades sejam instadas a proteger essas mulheres”, explica.

Fernanda destaca que há uma questão conjuntural com o avanço de medidas conservadoras e neoliberais e contra as medidas de proteção social, especialmente durante o período da pandemia. As políticas públicas, especialmente em relação à saúde, educação, habitação, trabalho, justiça e proteção social, necessitam de recursos humanos, com capacitação e formação, além de recursos materiais. “As mulheres passaram, durante a pandemia a ter ainda mais dificuldades de acessar esses serviços, que também passaram a ter uma demanda gigantesca. Além disso, muitas delas não têm acesso à tecnologias de informação e comunicação ou não conseguem realizar entrevistas ou contatos com o sigilo necessário. E isso faz com que a violência contra a mulher seja ainda mais difícil de ser identificada, trabalhada e protegida”, afirma.

A assistente social explica ainda que o Serviço Social possui um papel absolutamente essencial em relação à essa luta enfrentada diariamente pelas mulheres. Segundo a profissional, é importante que as (os) assistentes sociais atendam às mulheres sem julgamentos ou preconceitos e se aprofundem em entender as realidades de suas famílias para ajuda-las. “É necessário se livrar da compreensão da sociedade patriarcal machista e racista e fazer o recorte daquela particularidade encontrada, a partir da compreensão dos fatores sociais para realizar análises, estudos e medidas protetivas não julgadoras e moralizantes. Sem isso, dificilmente será possível proteger mulheres, crianças ou outras pessoas em situação de vulnerabilidade”, destaca.

Fernanda acrescenta que é preciso ter esse mesmo olhar não apenas nos casos de violência contra a mulher, mas também em situações que envolvem crianças, adolescentes ou outros familiares.

Para isso, também é preciso levar em conta os compromissos éticos e políticos da profissão, além de uma construção coletiva que leve em conta a militância pelas pautas feministas, incluindo em questões que se relacionam como as mulheres e a luta antimanicomial, as mulheres e o direito à convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes, mulheres cumprindo medidas privativas de liberdade ou prestação de serviços comunitários, entre outras questões. “É fundamental trazer esse debate e garantir a visibilidade para as questões de proteção social inter-relacionadas, incluindo aí também questões de gênero, classe e raça que não podem caminhar separadamente nessa discussão”, finaliza.