Assistentes Sociais pela defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo!

O Brasil vive um período que muito nos faz lembrar os 21 anos do regime ditatorial implantado pelas Forças Armadas entre 1964 e 1985. Basta ver que o país está à mercê de um governo que enaltece sem o menor pudor as medidas que cortam direitos conquistados em mais de um século de lutas populares, e de um Congresso que tem compactuado com muitas dessas violações de direitos humanos.
Décadas depois, a democracia que se sobrepôs à ditadura civil-militar, tem se mostrado frágil já que não teve a capacidade de eliminar o genocídio das populações indígena e negra, e das que vivem nos campos e nas áreas periféricas das cidades.
Pode ser apresentado como um show de horrores quando o atual governo se mostra capaz de homenagear torturadores. Se não bastasse esse tipo de afronta, no início de junho deste ano, o presidente lançou mão de mais um de seus autoritários decretos, para atacar o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) que faz parte do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, incluído na Lei nº 12.847, sancionada em 2 de agosto de 2013.
Ao demitir os 11 especialistas independentes (peritas/os), que tinham como função constatar abusos, tortura e violência em centros de detenção, estabelecimento penal, hospital psiquiátrico, abrigo de pessoa idosa, instituição socioeducativa ou centro militar de detenção disciplinar, para então elaborar relatórios que constassem recomendações para que autoridades adotassem as devidas providências para coibir tratamentos desumanos, cruéis, degradantes e tortura nos ambientes de privação de liberdade, o presidente não só acabou com uma equipe de trabalho, que embora exígua, desempenhava atividades de fundamental importância, como também, cometeu um crime, a ponto de ser denunciado na Organização das Nações Unidas (ONU).
A tortura é uma prática que a colonização deixou como legado, e que foi aperfeiçoada durante o período em que a população negra foi escravizada e que alcança os nossos dias, embrenhada, inclusive, na estrutura do Estado.
Num momento em que o governo investe em propostas que vão empobrecer ainda mais os já pobres, mais pessoas vão ficar vulneráveis à perseguição e à violência policial. Nesta conjuntura, a tortura praticada com o aval do Estado transforma-se em um poderoso instrumento de controle social, seguido pelas execuções sumárias, chacinas e o encarceramento em massa.

 

Direitos da população encarcerada

Em todos os espaços onde condenadas/os têm privação de liberdade, a tortura é praticada como “estratégia” de controle da população que se encontra encarcerada. Segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), divulgado em 2017 pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen) do Ministério da Justiça, o Brasil é o terceiro país com maior número de pessoas presas, ficando atrás dos Estados Unidos e da China. As unidades de privação de liberdade específicas para adolescentes, como a Fundação Casa, em São Paulo, estão lotadas. Mas apesar de prender muito, o país não investe na construção de espaços para acomodar todo esse contingente de pessoas. O déficit do sistema prisional passa das 350 mil vagas. Calcula-se então, que em uma cela onde deveriam estar 10 presos, 19 pessoas em média se espremem no espaço.
O Infopen aponta ainda que o Brasil tinha 726 mil pessoas presas em 2016. Mais da metade delas era de jovens de 18 a 29 anos e 64% deles, negros, comprovando que o sistema prisional brasileiro faz das cadeias e penitenciárias espaços de produção sistemática da tortura e maus-tratos voltados a esse público.
Dados atuais dão conta de que são 704,4 mil presos nas penitenciárias; número que ultrapassa os 750 mil se contabilizados os em regime aberto e os detidos em delegacias.
Já em 2018, o relatório “Tortura em tempos de encarceramento em massa”, da Pastoral Carcerária, apontava a falência das políticas de prevenção e combate à tortura no cárcere. O trabalho se baseia em 175 casos de denúncias feitas por agentes da Pastoral, familiares e de forma anônima, entre junho de 2014 e agosto de 2018.
Alguns dados apontam que 46% dos denunciados são agentes penitenciários e 14% policiais. E que 38% dos casos de tortura ocorrem em unidades onde há presos sentenciados, 20% nas prisões provisórias e 25% em unidades mistas.
Apesar de representarem apenas 6% do total de pessoas presas, as mulheres são vítimas em 21% dos casos de tortura denunciados à Pastoral Carcerária.
As chacinas e execuções sumárias ocupam grande parte do noticiário e a tortura se mantém como o método sistematizado das polícias para forçar confissões, arrancar provas, e até para incriminar movimentos e organizações sociais e populares que lutam contra este tipo de violação de direitos humanos.
As operações de “combate às drogas” desencadeadas pelo Estado só fazem aumentar a prática da tortura, o encarceramento em massa, a execução sumária e as chacinas. Somente no primeiro trimestre de 2019, mais de 200 pessoas foram assassinadas por policiais em São Paulo, segundo dados divulgados pela Secretaria de Segurança Pública daquele Estado. As audiências de custódia, momento que deveria servir para que os juízes verificassem se a prisão foi feita sob tortura, maus-tratos e outras arbitrariedades, não têm alcançado o objetivo porque a maior parte dos magistrados não questiona se o preso teria algo a denunciar sobre possível tortura.
Os parlamentares que compõem as “bancadas da bala” estimulam o “linchamento” dos povos indígenas, negros, LGBTs, ampliando assim, a aversão contra os mais pobres. Aprovam mais armas para eliminar mais jovens negros nas periferias.
Apesar de a tortura também estar inscrita na Lei 8.072/90, que a equipara aos crimes hediondos, como o Tráfico de Drogas e o Terrorismo, continua sendo uma prática tolerada e até institucionalizada por governantes brasileiros, e em países ditatoriais, onde vigora também a impunidade de seus perpetradores. Mas infelizmente, há muitas sociedades democráticas que também praticam a tortura como forma de punição.

 

A verdade e a memória

No Brasil, os agentes do governo que cometeram sérias violações de direitos humanos durante a ditadura militar nunca foram punidos, sobretudo com a promulgação da Lei de Anistia, em 1979. E isso significa alguma reparação, alguma verdade e nada de justiça. No entanto, governos que sucederam a esse período, e a sociedade civil organizada, se comprometeram com ações que revelaram ao país essa parte da nossa própria história, e também, para que fatos como os já amplamente conhecidos, não se repitam.
A reparação começou a ser feita com a Lei 9.140, de 1995, quando foi permitido que as famílias conseguissem atestados de óbito de seus parentes desaparecidos para que pudessem resolver determinadas questões legais.
Outra ação em busca da verdade foi que essa Lei 9.140 criou a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), para analisar os casos que deveriam ser contemplados com atestados de óbito, além de buscar as informações que permitissem elucidar as violações contra os direitos humanos que ocorreram durante a ditadura.
O livro “Direito à Memória e à Verdade”, que resultou de 11 anos de trabalho da Comissão Especial, e publicado pela primeira vez em 2007, pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, recupera a história de 479 militantes políticos que foram vítimas da ditadura militar no Brasil de 1961 a 1988, e conta o que aconteceu de verdade com os mortos e desaparecidos no período ditatorial brasileiro.
A defesa intransigente dos direitos humanos consta no Art. 13, do Código de Ética da/o Assistente Social, que coloca entre os deveres da profissão, “denunciar ao Conselho Regional as instituições públicas ou privadas, onde as condições de trabalho não sejam dignas ou possam prejudicar as/os usuárias/os ou profissionais; denunciar, no exercício da Profissão, às entidades de organização da categoria, às autoridades e aos órgãos competentes, casos de violação da Lei e dos Direitos Humanos, quanto a: corrupção, maus tratos, torturas, ausência de condições mínimas de sobrevivência, discriminação, preconceito, abuso de autoridade individual e institucional, qualquer forma de agressão ou falta de respeito à integridade física, social e mental da/o cidadã/cidadão”.
Portanto, indignadas/os com a prática ordenada da tortura e da violência por parte dos agentes do Estado, em especial, as forças policiais, nós assistentes sociais, queremos manifestar o nosso repúdio e exigir o fim da tortura neste dia 26 de Junho – Dia Internacional de Apoio às Vítimas da Tortura!
O Dia Internacional de Apoio às Vítimas da Tortura deve servir para reafirmar o direito que homens e mulheres têm de desfrutar da liberdade sem medo da tortura ou de qualquer outro tratamento cruel, desumano e humilhante.
A data criada pela ONU em 1997, em homenagem ao dia em que foi assinada a Convenção contra a Tortura, em 26 de junho de 1987, deve ser vista também como uma oportunidade de se solidarizar com as pessoas que sofreram tortura e as suas famílias, assim como para reafirmar a necessidade de todos os governos assumirem o compromisso de garantir que o dano seja reparado e a vítima receba a reabilitação adequada.

 

ASSISTENTES SOCIAIS PELA DEFESA INTRANSIGENTE DOS DIREITOS HUMANOS E RECUSA DO ARBÍTRIO E DO AUTORITARISMO!

 

Fontes consultadas:
http://flacso.org.br/files/2017/06/MEMORIA-E-VERDADE.pdf
https://jornalistaslivres.org/jornada-de-luta-contra-tortura-vai-a-alesp/
https://nacoesunidas.org/dia-internacional-de-apoio-as-vitimas-da-tortura-26-de-junho-de-2009/
https://exame.abril.com.br/brasil/tortura-no-carcere-relatorio-denuncia-violacoes-em-presidios-no-brasil/
https://jornalistaslivres.org/jornada-de-luta-contra-tortura-vai-a-alesp/
BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Relatório sintético do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – INFOPEN, jul de 2016.