Comemoração dos 10 anos do Movimento da População em Situação de Rua teve homenagem ao CRESS-PR e a assistentes sociais

Foto: MNPR Paraná

O Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR) está completando 10 anos de luta e resistência. Para comemorar este marco na história do movimento foi realizado nos dias 29 a 31 de agosto um evento comemorativo que contou com debates e homenagens a pessoas, organizações e instituições que têm contribuído com o MNPR ao longo destes anos.

O Conselho Regional de Serviço Social – CRESS-PR esteve representado pelas conselheiras Elza Maria Campos e Tamires Oliveira e foi uma das instituições homenageadas na cerimônia que aconteceu no primeiro dia pela manhã. “É muito simbólico comemorar dez anos deste movimento combativo quando a conjuntura atual é perversa, o fascismo está se fortalecendo e a população em situação de rua vem sendo exterminada. Por isso, toda a gestão do CRESS-PR fica honrada com o reconhecimento através desta homenagem e reafirma o compromisso ético na defesa intransigente dos direitos humanos. Continuaremos em luta com o movimento por nenhum direito a menos”, afirmou a conselheira Tamires ao receber a homenagem em nome do Conselho.

Durante as homenagens, assistentes sociais também tiveram a gratidão do movimento por seu engajamento pessoal histórico na defesa dos direitos da população em situação de rua: Eliane Betiato, da Casa de Acolhida São José; Sandra Mancino, do Ministério Público do Paraná; Lucilene Calza, do Ministério Público de Londrina; e Renária Moura, do SindSaúde PR.

Após as homenagens, representantes do MNPR de cada Estado se reuniram para uma análise de conjuntura que discutiu as violações de direitos cometidas contra a população em situação de rua. As violações apontadas são inúmeras: falta de acesso a serviços públicos; trabalhadoras/es dos serviços públicos adoecem junto com a população de rua; não há políticas públicas estruturais para as pessoas em situação de rua; violência institucional; presença de Guardas Municipais armados dentro dos serviços públicos, que agem com violência quando ocorre qualquer pequeno conflito; falta de políticas públicas para as mulheres em situação de rua; serviços públicos não consideram nem respeitam a identidade de gênero das travestis e transexuais; não há abrigos para casais em situação de rua; dentre inúmeras outras. Na avaliação dos presentes, o caminho para enfrentar esse tempo de retiradas de direitos é a unidade na luta.

No segundo dia do encontro os participantes debateram o direito à moradia, um direito humano básico e fundamental para a sobrevivência. Na avaliação dos presentes, é um equívoco que a moradia seja a última etapa pela qual a população irá passar. O modelo de política ideal para essa população parte do pressuposto que a partir da habitação, outros processos serão secundários e efetivos, ou seja, quando se assegura o direito à moradia, outras políticas públicas conseguem ser efetivadas.

Outra questão levantada no debate é que de nada adianta haver saúde, assistência e trabalho sem moradia. “Podemos ter uma rede de serviços de qualidade, mas as pessoas continuam em situação de rua porque elas não têm a moradia”, avalia um dos participantes.

O último dia do evento contou com um debate fundamental sobre mulheres e população LGBT em situação de rua. Os depoimentos dados durante o debate dão uma dimensão do quão grave é a situação vivenciada por estas populações.

As mulheres em situação de rua relataram o machismo estrutural e enraizado na sociedade. Evidenciaram as diversas agressões e abusos que sofrem e as estratégias que utilizam para evitar ou minimizar tais situações: “muitas vezes, as mulheres têm que se “travestir” de homem para não serem violentadas, mas são agredidas do mesmo jeito, não pelos homens em situação de rua, mas pelos outros homens que dizem ‘você não quer ser homem? Então vai apanhar como homem’”, relatou uma das participantes. Apontaram também a realidade das pessoas LGBT em situação de rua que são ‘trabalhadoras do sexo’, cuja triste condição é a de entrar num carro sem saber se vai continuar viva. Há o reconhecimento da necessidade de se ampliar o debate sobre a condição das mulheres e pessoas LGBT em situação de rua.

Desafios para as/os Assistentes Sociais

Na avaliação da conselheira Tamires Oliveira, também coordenadora da Comissão Permanente de Ética do CRESS/PR, é preciso avançar na discussão de políticas públicas que atendam às necessidades específicas das mulheres em situação de rua. “Muitas relataram, durante o evento, que elas devem agradecer toda a vez que acordam com o sol no rosto, pois isso significa liberdade e significa que sobreviveram aos abusos e violências de mais uma longa noite na rua. Como falar para uma mulher em situação de rua que ela é amparada pela Lei Maria da Penha, quando a realidade da rua é a sobrevivência noite após noite?”, questiona a conselheira.

Ainda de acordo com Tamires, garantir os direitos de pessoas em situação de rua, num contexto de avanço do conservadorismo e do fascismo, já é muito difícil, mas assegurar acolhida e direitos de mulheres nesta situação é mais desafiador ainda e exige mobilização, ações propositivas, enfrentamento ao machismo enraizado na sociedade, nas instituições públicas e no sistema de justiça, e luta por políticas estruturantes que atendam às reais necessidades dessas mulheres. “Devemos lembrar nossos compromissos éticos no empenho da eliminação da correlação de forças em prol dos usuários e também na defesa intransigente dos direitos humanos, não podendo, portanto, praticar e/ou ser coniventes com práticas violadoras de direitos”, diz Tamires.

Outro ponto destacado pela conselheira são as práticas higienistas e proibicionistas colocadas em prática, muitas vezes chamando assistentes sociais para atuar em conjunto. “Temos o dever ético de nos posicionarmos contrariamente a qualquer prática arbitrária, autoritária e de cerceamento da liberdade. Ainda que este cenário nos apresente grandes desafios, nosso projeto ético-político nos orienta os caminhos a seguir para a construção de uma sociedade menos desigual e mais justa”, conclui.

Depoimentos de Assistentes Sociais homenageadas pelo MNPR

“Ser homenageada pelo Movimento Nacional da População em Situação de Rua do Estado do Paraná – MNPR com dez anos de estrada é uma honra. Porém, me sinto alguém que está apenas chegando. Antes de mim, muitos e muitas trilharam os anéis desta corrente. Prefiro pensar que este último anel me escolheu para representar todos/as os outros/as que fizeram história. Receber uma homenagem e representar a Casa de Acolhida São José ao mesmo tempo em que é um orgulho é instigante e desafiador. Que nos trechos das ruas, nos becos lamacentos, nenhuma vaidade se ponha entre nós, militantes (trabalhadores/as) e usuários/as. Que esta caminhada de dez anos contribua para vermos os/as verdadeiros/as protagonistas: as pessoas em situação de rua. Parabéns a todos/as, principalmente aos que estiveram no anonimato.”

Eliane Betiato, assistente social da Casa de Acolhida São José

“No dia da abertura do encontro comentei com Leonildo [representante do MNPR] que amanheci me sentindo mais forte. Entendo que mesmo em uma conjuntura difícil de retrocesso no campo dos direitos humanos e de ameaça às liberdades democráticas, o Movimento Pop Rua conseguir organizar um Encontro Nacional em Curitiba, fortalece a todxs nós, que acreditamos e lutamos por uma forma de viver livre e justa. A homenagem que recebi me emocionou e me fez sentir fortalecida e confiante no processo organizativo e de luta do Povo da Rua.”

Renária Moura, assistente social, trabalhadora do SindSaúde PR

>> Confira abaixo algumas fotos do evento e aqui fotos do MNPR Paraná