Dia de Conscientização do Autismo: Brasil ainda precisa consolidar políticas públicas

Neste ano de 2020, o CRESS-PR adotou o mote da campanha utilizado pela Revista Autismo e outras instituições.

Dia 2 de abril é a data instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o Dia Mundial de Conscientização do Autismo. O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), segundo o site Revista Autismo, “é uma condição de saúde caracterizada por déficit na comunicação social (socialização e comunicação verbal e não verbal) e comportamento (interesse restrito e movimentos repetitivos)”.

Os dados sobre o número de pessoas com autismo no mundo não são precisos. Conforme o Center of Deseases Control and Prevention (CDC), dos Estados Unidos, divulgados pela Revista Espaço Aberto, da USP, existe um caso de autismo para cada 110 pessoas no mundo. Com base nesse número, estimasse que o Brasil tenha cerca de 2 milhões de autistas. Já a Organização Pan-americana de Saúde (OPAS) informa que o número de pessoas com autismo seria na faixa de 1 para cada 160 no mundo.

Dentro desse universo de pessoas, existem características diversas. A OPAS ainda afirma que, “embora algumas pessoas com transtorno do espectro autista possam viver de forma independente, outras têm graves incapacidades e necessitam de cuidados e apoio ao longo da vida”.

A falta de conhecimento da sociedade sobre o que é o autismo, dentro de todo o seu espectro, bem como a ausência de políticas públicas consolidadas para inclusão e terapias para pessoas com autismo ainda são os principais desafios das famílias. O país aprovou, em 2012, a Lei nº 8.112, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Em 2014, a lei foi regulamentada por decreto presidencial. Ainda assim, as medidas mais concretas não saíram do papel para a prática.

O CRESS-PR conversou com a Assistente Social Fernanda Cristina de Oliveira Prado, de Apucarana, que trabalha no INSS. Mãe de três crianças, das quais uma delas, um menino de seis anos, tem autismo, ela acredita que falta uma consolidação da política nacional. “Vemos apenas experiências pontuais, em algumas cidades”.

Junto com o esposo, a Assistente Social busca se adaptar à rotina de cuidar das crianças e manter as terapias necessárias ao filho com autismo. Ela diz que um de seus maiores desafios é adaptar a rotina do tratamento junto com questões do trabalho. “Há mais de um ano luto para que meu trabalho diminua minha carga horária para que eu possa dar mais atenção ao meu filho”, explica.

1 – Qual a importância dessa data para quem vive com autismo e para familiares?

Todas as deficiências têm suas características e seu reconhecimento. Com relação ao autismo, considero que sempre foi uma deficiência apagada, pelas suas características. Temos casos graves, que as pessoas mais conhecem, devido às características das pessoas que tem autismo em nível mais grave. Mas temos também casos de pessoas que aparentemente vivem uma normalidade, trabalham e estudam, mas têm autismo. Por isso falamos de espectro autista. Em cada pessoa, o autismo se manifesta de forma diferente.

2 – Você como mãe de uma criança com autismo percebe que a sociedade hoje ainda demonstra muito preconceito e desconhecimento em relação ao autismo?

Sim, com certeza. No meu trabalho mesmo eu tinha uma visão em relação ao autismo. Quando foi diagnosticado que o meu filho tem autismo, meu olhar como profissional mudou. A rotina da família é alterada, pois temos que fazer mudanças para adequar às terapias diárias. Passei a ver o autismo de outra forma. Nós precisamos divulgar e esclarecer aos profissionais para compreender o autismo de forma mais integral. Isso porque são várias demandas que as pessoas com autismo precisam que as famílias correspondam. Vejo alguns comentários de profissionais da área mais renomados que afirmam que mesmo o autismo leve não é tão leve assim.

3 – O que se espera atualmente de políticas públicas para pessoas com autismo?

No Brasil não temos uma política pública consolidada em relação ao autismo, apesar da lei aprovada em 2012. Vemos apenas experiências pontuais, em algumas cidades. Para o tratamento do autismo não existe um medicamento. É feita avaliação de quais os potenciais e quais as dificuldades que a pessoa tem e dentro desse levantamento é feito um plano terapêutico, com intervenção diferenciada. Isso varia muito de acordo com a característica da criança. Apesar de existir um documento nacional do Ministério da Saúde que norteia como deveria ser o atendimento, essas orientações estão só no papel.

4 – Na sua avaliação, essa falta de políticas públicas prejudica principalmente famílias com baixa renda?

Tanto no meu trabalho quanto na vida pessoal vejo pessoas que precisam do tratamento, mas não têm acesso ou têm um tratamento precário. A impressão que temos é que quem tem condições financeiras, tem tratamento, mas quem não têm fica à margem. Vejo que alguns atendimentos e terapias são realizados em locais que não correspondem à necessidade de uma pessoa com autismo. É comprovado cientificamente que as terapias funcionam, mas têm que ser frequentes e intensas. Os familiares (pais e mães) precisam ser treinados para aplicar esses protocolos em casa, de 20 a 40 horas semanais de terapia. Mas a realidade no Brasil é diferente. A maioria das famílias tem mães e pais que trabalham e os filhos ficam com outros parentes ou nas creches. As terapias acabam se restringindo a uma minoria. Eu mesma luto há mais de um ano para que meu trabalho diminua minha carga horária para que eu possa dar mais atenção ao meu filho. Infelizmente no Brasil temos a visão de que esse tipo de política pública é um gasto e não um investimento.