94 anos do voto feminino no Brasil
O Dia da Instituição do Direito de Voto da Mulher, comemorado em 3 de novembro, é um marco na história do Brasil. Nesta data, em 1930, após intensa mobilização, as mulheres brasileiras conquistaram o direito ao voto, até então um privilégio restrito a homens, especialmente os ricos e brancos, deixando as mulheres fora das decisões políticas. Hoje, 94 anos depois, as mulheres formam a maioria do eleitorado brasileiro, embora sua representação política permaneça muito baixa.
O CRESS-PR celebra a trajetória das mulheres na conquista do direito ao voto e de participação política. Contudo, é imprescindível superar muitas barreiras para ampliar efetivamente esses direitos. É preciso valorizar a luta dos movimentos feministas, pois o direito ao voto é parte fundamental da democracia conquistada de forma coletiva.
Confira os depoimentos de duas paranaenses com formação em Serviço Social, eleitas nas últimas eleições municipais, sobre o que representa essa conquista para a sociedade brasileira e os principais obstáculos que ainda limitam o envolvimento das mulheres na política e nas lideranças.
Ana Lucia de Oliveira — prefeita eleita de Cambira
A instituição desse direito representa um avanço na luta democrática para o enfrentamento da igualdade de direitos, embora ainda estamos muito distantes do sonho da paridade no campo político. Existe ainda um machismo velado, desmotivando a mulher buscar a ascensão de cargo político muito pleiteado pelos homens, principalmente para as prefeituras, pois nesse caso, não basta querer e fazer o processo necessário, é preciso convencer o próprio grupo, se posicionar e manter se firme e convicta de sua capacidade e comprometimento.
Os principais obstáculos incluem a necessidade de convencer o grupo quanto à capacidade de gestão, as limitações financeiras, o machismo velado — em que, muitas vezes, colegas procuram limitar as mulheres a cargos que não são de primeiro escalão —, a exposição intensa da vida particular, mais frequente do que para os homens, e diversas tentativas de desvalorização, entre outros desafios.
Vanda de Assis — Assistente Social, militante dos Direitos Humanos há 30 anos, vereadora eleita para a Câmara Municipal de Curitiba
A conquista desse direito representa uma ruptura com o sistema patriarcal. Quanto mais mulheres ocupando espaços de poder, mais ampliamos direitos e promovemos justiça social. E não é qualquer mulher que faz essa transformação; são aquelas que lutam contra as injustiças de gênero, raça e classe.
O voto feminino é mais do que uma conquista; é um símbolo de estarmos onde as decisões são tomadas. É sobre ter nossas realidades, enquanto mulheres, compreendidas e respeitadas. No campo da assistência social, as mulheres desempenham um enorme papel na transformação da vida de quem mais precisa e na construção de políticas públicas que realmente vejam e atendam quem está à margem. O voto nos deu a chance de sermos protagonistas e de levar para os espaços de poder as vozes que, por tanto tempo, foram ignoradas.
Conquistamos o direito ao voto, o direito de nos candidatar e as cotas. Mas ainda há muito a fazer, especialmente quando falamos sobre violência política e o desrespeito em relação ao uso das cotas, que muitas vezes são usadas só para preencher vagas.
Eleger uma mulher não significa que a violência política vai desaparecer; muitas vezes, ela até aumenta. O caso da Marielle Franco é um triste exemplo do custo dessa luta por representação, e os índices de violência política no Brasil são alarmantes.
Aqui em Curitiba, mesmo com o aumento do número de mulheres na Câmara, ainda somos só 31% do total. De 38 eleitos, apenas 12 são mulheres, e quando olhamos para as progressistas, esse número é ainda menor.
Precisamos de mais mulheres nesses espaços, não só para representar nossas pautas, mas para garantir políticas mais justas para todos.
Nós, mulheres, temos estado na linha de frente das lutas pela democracia, pela educação, pela ciência e pela dignidade de quem mais precisa. Eu me inspiro nas mulheres fortes que fazem a diferença em cada atendimento social, em cada decisão e em cada apoio a uma família. Por isso, a luta por mais representatividade é tão urgente. Os direitos das mulheres estão sempre vulneráveis, e precisamos estar em constante luta. Queremos construir uma sociedade onde a assistência social, a saúde, a educação e os direitos das mulheres sejam prioridades nas discussões. Esse é o nosso legado e a nossa responsabilidade.
A realidade é que nós, mulheres, ainda enfrentamos muitas barreiras enraizadas nas práticas e estruturas desiguais que a sociedade e, em especial, os partidos políticos reproduzem. Falta um compromisso de verdade com a participação feminina: muitos partidos ainda veem nossas candidaturas como uma obrigação a cumprir, sem oferecer o apoio necessário para a gente chegar realmente a cargos de liderança. E, sem esse suporte, a maioria das mulheres acaba desistindo antes mesmo de ter uma chance. Essa é uma triste realidade que atinge candidatas de todos os espectros.
Além disso, o machismo estrutural, que atravessa tantos espaços, se reflete de forma ainda mais intensa na política, onde a violência de gênero — seja física, psicológica ou simbólica — continua afastando mulheres da vida pública. “Política é coisa e lugar de homem”, dizem eles. É uma realidade dura, naturalizada por muita gente que acha que essa hostilidade faz parte, que é o preço a se pagar para estar na política.
Não podemos ignorar também a sobrecarga de trabalho, que pesa muito: somos nós que ainda ficamos com a maior parte das responsabilidades domésticas, o que dificulta e muitas vezes impede nossa participação plena. E, por fim, a autonomia econômica é fundamental. Sem independência financeira, muitas mulheres nem conseguem começar a pensar em investir numa campanha, muito menos se manter nesse meio.