“O desafio é pautar políticas públicas com os indígenas e não para os indígenas”, afirma Assistente Social da etnia Kaingang

Demarcação dos territórios indígenas e a construção de políticas públicas com a participação dos povos. Estes, de acordo com duas Assistentes Sociais e uma estudante indígena de Serviço Social ouvidos pelo CRESS-PR, são os principais desafios para este dia 19 de abril, o Dia de Resistência e Luta dos Povos Indígenas. A data é celebrada no Continente Americano desde a realização do Congresso Indigenista Interamericano, realizado no México, neste mesmo dia, no ano de 1940.

A Assistente Social Gilza Ferreira de Souza, pertencente à etnia Kaingang, da terra indígena São Jerônimo, explica que as políticas públicas não foram feitas com a participação dos indígenas. Por isso, muitas dessas políticas de acesso à saúde, educação, previdência, lazer, segurança, proteção à maternidade e à infância, não conseguem alcançar a especificidade dos indígenas. Assim, o desafio é pautar as políticas públicas com os indígenas e não para os indígenas.

“Muitas vezes as políticas já vêm prontas, em um pacote fechado, para abranger as comunidades. Por isso, acho que uma das lutas é fazer política pública com os indígenas. Atualmente, os indígenas estão bem mais participativos. Por isso, é um desafio para nós, enquanto profissionais assistentes sociais, caminhar junto com eles”, afirma Gilza.

De acordo com Juliana Paola Bernardo, Assistente Social da equipe volante do município de Chopinzinho, que trabalha com as etnias Guarani Mbya e Kaigang, o maior desafio para mostrar os caminhos para que a população indígena tenha acesso às políticas públicas é sensibilizar os governadores, gestores, e a sociedade.

“Considerando a atual conjuntura em que os povos indígenas vem sendo ainda mais invisibilizados pelas políticas públicas, perseguidos, atacados e prejudicados de diversas formas pelos retrocessos no que diz respeito aos direitos humanos no nosso país, é imprescindível o papel do assistente social no processo de fortalecimento do protagonismo destes povos na sociedade como um todo”, considera Juliana.

Ela acrescenta que é preciso ir além dos direitos básicos, quando se fala no processo de inclusão dos povos indígenas. E concorda que é necessário abrir espaço para que estes povos estejam mais presentes nos espaços de tomadas de decisões.

“Eles têm muito a contribuir com a sociedade. Garantir seus acessos nas universidades e demais espaços que fortaleçam suas vozes. O nosso maior erro é exigir que produzam para a nossa sociedade no nosso ritmo e para os nossos fins. Primeiramente precisamos muito ouvi-los. Considerar suas demandas, seus anseios e fazer disso pautas, projetos e serviços que garantam qualidade de vida a eles”.

Demarcação

No início do mês, cerca de 7 mil indígenas de 200 povos participaram, em Brasília, do 18º Acampamento Terra Livre busca “retomar o Brasil”, com uma pauta comum: a luta pela demarcação de território.

Gilza lembra que a última demarcação de território indígena no Brasil foi em 2006, ainda no governo Lula.  De lá para cá, segundo ela, os indígenas do Brasil sofrem ataques dos governos federal e estaduais.

“Quando a gente tem um território demarcado, as políticas públicas começam a ingressar nesse espaço tão importante. É preciso entender que o território é nosso corpo, nosso espírito, a nossa identidade. É a nossa realidade. A gente não enxerga o território do ponto de vista econômico”, observa.

No Sudoeste do Paraná, segundo a Assistente Social Juliana, os problemas enfrentados com a demarcação das terras indígenas já atrapalham o trabalho dos artesãos.

“Aqui na nossa região, o trabalho artesanal dos indígenas vem sendo dificultado pelo desmatamento. Os artesãos estão sofrendo para encontrar os materiais utilizados para seus trabalhos. Isso tem um impacto cultural, econômico e social, vira um efeito dominó”, relata.

Ana Caroline Nares é académica indígena do curso de serviço social da UFPR (Universidade Federal do Paraná) e já atua na comunidade a qual pertence, no município de Mangueirinha. Ela concorda que a garantia do território é sinônimo de acesso às políticas públicas.

“O território faz parte né da do Ser indígena. Por isso, nós buscamos sempre manter o território e a natureza preservados. Por isso, quando se afeta o território, acaba afetando diretamente os povos”, frisa a estudante.  

Pandemia

Com o fim de emergência relacionada à Covid-19 no Brasil, decretado nesta semana pelo Governo Federal, a equipe de Assistentes Sociais de Chopinzinho optou por oferecer atendimento in loco nas comunidades.  

“Mais ainda estamos tomando todos os cuidados e protocolos de prevenção, prezando pelo fato deles não precisarem se deslocar dos seus territórios para acesso aos serviços, evitando que necessitem de transporte público e aglomerações”, ponderou Juliana.

Tanto Juliana quanto Gilza lembraram da crueldade da pandemia da Covid-19 com a população indígena. Aqueles que moravam nas cidades, por exemplo, não receberam a dose no início do protocolo da vacina, ainda em 2021.

“Além da doença acometer muitas pessoas nas comunidades, o isolamento social e as medidas de proteção deixaram inacessíveis muitos serviços socioassistenciais para essa população. Isso aumentou ainda mais a situação de vulnerabilidade econômica deles aqui na nossa região, que já é bem agravada”, observou Juliana.