Dia Internacional contra Discriminação Racial: saiba qual é o papel das (os) Assistentes Sociais nessa luta

O racismo no Brasil é histórico. Mesmo com mais de 56% da população brasileira se declarando negra, essas pessoas ainda são a minoria em cargos de liderança nas empresas e em cargos políticos. Por outro lado, são a maioria em situação de rua e nas periferias das grandes cidades, de desempregados e vítimas em casos de homicídios. Ainda, representam 67% da população carcerária do país, de acordo com dados da edição 2021 do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

Nesta segunda, 21/03, é celebrado o Dia Internacional contra a Discriminação Racional. A data foi instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1966, em memória ao Massacre de Shaperville, ocorrido em 21 de março de 1960, quando 20 mil pessoas foram às ruas, em Joanesburgo, na África do Sul, contra a Lei do Passe, que obrigava os negros a andarem com uma identificação e limitava os lugares que podiam circular. Na ocasião, 69 pessoas foram a óbito por conta da truculência das tropas militares do Apartheid e outras centenas de pessoas ficaram feridas.

O Conselho Regional de Serviço Social do Paraná (CRESS-PR) enfatiza a importância da atuação das (os) Assistentes Sociais nessa luta por uma sociedade mais justa e igualitária.  A atuação da categoria profissional é fundamental na luta pela emancipação humana dessa população, e torna-se ainda mais central a participação das (os) Assistentes Sociais na defesa intransigente dos direitos humanos. “É necessário considerar a participação efetiva das (os) Assistentes Sociais nos movimentos sociais em favor das minorias, nos espaços de controle social e outras participações na defesa dos direitos humanos e sociais, contribuindo em todas as frentes de resistência aonde atua, para contribuir para a redução dos índices de desigualdades e vulnerabilidades contra negros e negras”, afirma Tatiana Santos, Assistente Social na Secretaria Municipal de Projetos e Planejamento Urbano de Pontal do Paraná e Mestra em Ciência, Tecnologia e Sociedade.

Uma pesquisa do Instituto Locomotiva mostra que uma em cada três pessoas negras, ou seja, 39% das (os) brasileiras (os) que utilizam transporte público já foram vítimas de racismo. “Nós, Assistentes Sociais, temos nos princípios fundamentais do nosso código de ética que devemos nos posicionar em favor da equidade e da justiça social e se empenhar para eliminar preconceitos contra os grupos socialmente discriminados. Além de termos que exercer a profissão sem discriminar ou ser discriminadas (os)”, acrescenta Tatiana.

A Constituição de 1988 prevê o racismo enquanto crime inafiançável e imprescritível. Mesmo assim, casos de discriminação racial, seja racismo ou injúria racial, são recorrentes. Recentemente, o filho do humorista Mussum, Igor Palhano, que é dentista, foi impedido de deixar um shopping no Rio de Janeiro sob a alegação de que a moto que estava era roubada. Ainda este ano, outros dois casos tomaram as mídias. O primeiro foi do congolês Möise kabagambe, espancado até a morte ao cobrar seus dias trabalhados e de Durval Teófilo Filho, homem negro assassinado quando chegava em casa pelo vizinho Sargento da Marinha Aurélio Bezerra.

Segundo André Henrique Mello Correa, Assistente Social do NUCRESS Ponta Grossa e Mestrando pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), tais casos expressam uma dinâmica presente na realidade brasileira, cujo racismo estrutural, dada a formação social de um país assentado num processo de escravização de quase 400 anos e que após a abolição formal, em 1888, manteve as estruturas fundamentais de manutenção da ordem de privilégios, acirrando os conflitos sociais latentes, inclusive em torno da noção de raça. “Buscou-se criar uma narrativa de nação assentada na concepção de democracia Racial, que ao mesmo tempo que nega a realidade concreta da classe trabalhadora racialmente negra, age sobre ela recrudescendo medidas repressivas e de reprodução do racismo, mediante ações estatais”, garante.

André completa que a guerra não declarada é latente no 3º país que mais encarcera no mundo, em sua grande maioria jovens negros e que mais mata por intervenções policiais em territórios-alvo. “São questões sintomáticas que não devem ser vistas como normais, pois se tratam de racismo, cujo fim-trágico é a perda da vida”, completa o Assistente Social.

Políticas Públicas brasileiras

No Brasil, existem políticas públicas de combate ao racismo e que visam promover a igualdade racial, sobretudo após a criação da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, em 2003 — hoje vinculada ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Porém, no atual contexto político do país, é necessário alertar os retrocessos sociais e crescimento do conservadorismo, o desmonte dessas políticas públicas vinculadas a tal Ministério tem tido um esvaziamento expressivo de seu direcionamento.

Segundo André, a materialização legal de políticas públicas de promoção da igualdade racial são pautas históricas das organizações do Movimento Negro brasileiro, desde a década de 1970.  “A exemplo no Programa Político do Movimento Negro Unificado (MNU) e nas deliberações de propostas na Convenção Nacional do Negro pela Constituinte em 1986, que versavam dentre outros temas, acerca das políticas de saúde, educação, trabalho, geração de renda, sistema de justiça”.

O CRESS-PR ressalta as políticas públicas de promoção da igualdade racial no Brasil, que são importantes nessa luta contra a discriminação racial:

  1. Estatuto de Promoção da Igualdade Racial (2010): destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica.
  2. Política Nacional de Saúde da População Negra (2009): Em sua terceira edição (2017), considera a questão étnica e racial, enquanto importante fator que incide sobre os determinantes da saúde da população, destacando fatores genéticos, bem como, fatores associados a causas externas (acidentes, violência letal, suicídio, etc);
  3. Portaria nº 344, de 1º de fevereiro de 2017:  Vinculada no âmbito do SUS, esta portaria adota o critério da autodeclaração, ou seja, o (a) próprio (a) usuário (a) define qual é a sua raça/cor, com exceção dos casos de recém-nascidos, óbitos ou diante de situações em que o usuário estiver impossibilitado, cabendo aos familiares ou responsáveis a declaração de sua cor ou pertencimento étnico-racial;
  4. Lei de Cotas” (Lei nº 12.711/2012): Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio;
  5. Lei Nº 12.990/2014: Reserva aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União;
  6. Plano Juventude Viva: Encontra-se na sua 3º etapa (2018), visa a prevenção e inserção de ações no combate às formas de violência que atravessam as juventudes, em especial a juventude negra nos territórios.

Qual a diferença entre racismo e injúria racial?

Existem interpretações diferenciadas sobre o assunto. Segundo Tatiana, a grosso modo, o racismo é um conceito pensado exatamente para inferiorizar determinadas raças e etnias de grupos considerados não brancos. “Se caracteriza como um conceito utilizado quando uma raça utiliza dos traços físicos, ou seja, as características fenotípicas do (a) outro (a) para diminui-lo (a), atribuindo valores negativos ao coletivo/grupo pertencente a uma raça considerada inferior. O racismo é um crime imprescritível e inafiançável”, explica.

Já a discriminação e/ou injúria racial, pode se manifestar de forma concreta contra o indivíduo, de várias formas. “Ao destrata-las (os) no âmbito das relações sociais, o preconceito ocorre quando a ofensa ao indivíduo desrespeita a honra da pessoa pela cor da pele, raça, etnia, religião, sexualidade e outros, valendo-se da cor do indivíduo. A discriminação racial, assim como o racismo e a injúria racial, amplia as desigualdades sociais e viola direitos mínimos preconizados na constituição Federal, no estatuto da Promoção da Igualdade Racial e no código penal brasileiro, bem como em outras normativas, resultado das lutas coletivas contra a discriminação, exploração e opressão contra negros e negras”, completa.

Assistentes Sociais na luta antirracista

Segundo André, a luta antirracista é agenda permanente do conjunto das entidades organizativas da categoria de Assistentes Sociais (CFESS, CRESS, ABEPSS e ENESSO), principalmente após a campanha Assistentes Sociais no Combate ao Racismo (http://servicosocialcontraracismo.com.br/), realizada no último triênio 2017-2020. “A luta antirracista deve ser uma bussola-guia central na análise da realidade social em que atuam as (os) Assistentes Sociais. Sua ausência, pode ocasionar riscos como cair em reducionismos analíticos, reprodução de discursos e práticas racistas, não evidenciando a condição concreta da população demandante das políticas sociais, que possui determinações objetivas de sua classe social, características raciais, orientação sexual e identidade de gênero, dentre outras”, explica.

André contextualiza também que conforme o conjunto de dados que concernem a realidade social (Sistema de Justiça – encarceramento, Violência Urbana, SUAS, SUS, Populações em Situação de Rua, dados de adoção, entre outros), a particularidade da classe trabalhadora no Brasil conforma um conjunto de pessoas racialmente negras (autodeclaradas pretas e pardas), constituindo expressivo número de usuários (as) das políticas sociais em que se inserem as (os) Assistentes Sociais. “Neste sentido, as (os) profissionais devem estar atentas (os) à realidade, adotando uma perspectiva teórico-crítica para contribuir para o seu processo de trabalho, seja evidenciando a centralidade do quesito raça/cor nos atendimentos, dialogando sobre inclusive com a (o) usuário, bem como espaços formativos coletivos junto aos usuários, equipes, outras organizações, numa perspectiva antirracista, o que demanda formação continuada e abertura para o aprendizado coletivo”, finaliza.