Mais de 28 mil mulheres pediram refúgio no Brasil desde 2016

ParaTodasVerem: No topo da imagem está o título “O sofrimento das mulheres em tempos de guerra”. No centro da imagem está a sombra de pessoas em fila, que vai ficando cada vez mais distante, em tonalidades que variam do preto ao cinza claro. Na parte central inferior da imagem está o logo do CRESS-PR.

Desde 2016, 28,6 mil mulheres solicitaram refúgio no Brasil, segundo dados do Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE). Ao todo, o país já reconheceu 22,6 mil refugiadas. Muitos são os motivos que levam as mulheres a pedirem abrigo em outros países, a guerra é um deles. Quando uma guerra tem início, como é o caso do conflito entre a Rússia e a Ucrânia, todos os cidadãos sofrem as consequências, mas as mulheres são as mais afetadas. Nesta semana, quando celebramos o Dia Internacional de Mulher, o Conselho Regional de Serviço Social do Paraná (CRESS-PR) incentiva a reflexão da violência contra às mulheres causada em meio às guerras e disputa por poder.

Um exemplo da vulnerabilidade foi o áudio de um deputado estadual de São Paulo que vazou, às vésperas do Dia Internacional da Mulher, sobre as refugiadas ucranianas. Mais especificamente, o parlamentar, que viajou até a Ucrânia para levar apoio, comentou que “as mulheres eram lindas e que eram fáceis por serem pobres”. Esse é um exemplo da masculinidade tóxica e da cultura patriarcal, que provoca guerras por poder e explora a vulnerabilidade das mulheres.

“Os áudios insultuosos vazados do deputado conhecido como “Mamãe Falei” são hediondos. Ele ofendeu não só as mulheres, mas os pobres, os povos refugiados, foi racista ao exaltar um estereótipo, ou seja, expressou tudo aquilo contra o que lutamos: a desumanização, a dominação machista, a covardia, a injustiça contra as mulheres e o povo da Ucrânia”, destaca Elza Maria Campos, Assistente Social especialista em Políticas Públicas, Mestre em Educação e integrante do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Curitiba e da Câmara Temática de Ética e Direitos Humanos do CRESS-PR.

As diversas formas de violência sexual, seja na forma de estupro, mutilação, prostituição, esterilização, entre outras, são armas utilizadas em conflitos armados por todo o mundo. As 4 mil crianças que nasceram de estupros na Ruanda, em 1994, exemplificam bem esse tipo de violência. A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que pelo menos 250 mil mulheres foram estupradas durante o genocídio ocorrido entre abril e julho daquele ano e que deixou mais de 800 mil mortes.

As mulheres também ficam à mercê da própria sorte quando seus companheiros são enviados para frente de batalha, deixando-as sozinhas (muitas vezes com crianças e sem qualquer alternativa de sustento). “Ao declarar guerra, as leis ficam suspensas. Mesmo que mínimas, ainda existem algumas leis que garantem os direitos das mulheres, durante a guerra elas ficam desprotegidas juridicamente. Além disso, recaí sobre a mulher todos cuidados domésticos e com os filhos, diante da incerteza do retorno do parceiro, que na maioria das vezes é o único ou o principal provedor da família”, explica Ana Lucia Dourado, Assistente Social residente do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Família do município de Cascavel.

Para refletir sobre o conflito entre Rússia e Ucrânia, Priscila dos Santos Brasil, Assistente Social e 1° Secretaria da Gestão atual do CRESS-PR, parafraseia Simone de Beauvoir, quando a autora diz que ‘Nunca se esqueça que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Esses direitos não são permanentes. Você terá que manter-se vigilante durante toda a sua vida’. “No conflito entre a Rússia e Ucrânia, precisamos destacar que as mulheres trans, estão presas na Ucrânia, pois sua identidade de gênero foi invalidada. Devido aos preconceitos e legislações antiquadas, seus documentos não são retificados. Como a Ucrânia impediu a saída de homens com idade entre 18 e 60 anos, as mulheres trans foram deixadas para trás, correndo risco de sofrem diversas formas de violência”, destaca Priscila.

Segundo Elza, dentro do capitalismo, as guerras se constituem como disputa de territórios. “A posse da terra é fundamental para a reprodução da vida humana, por isso há uma cobiça pela terra. Todos os recursos que se utilizam para produzir e reproduzir estão presentes e são alvos de uma disputa muito intensa. O imperialismo sente-se ameaçado com mais força em diversos aspectos políticos, econômicos, tecnológicos e militares. As contradições se aceleram entre a hegemonia dos Estados Unidos, leia-se OTAN, e os interesses nacionais ou de blocos entre a sanha do capital financeiro, que destrói o capital produtivo. É preciso atentar para os discursos mais reacionários e até hipócritas da mídia burguesa e muitas vezes compartilhado pelas pessoas com relação aos interesses das guerras, inclusive entre a Rússia e Ucrânia”.

Outros conflitos

Para além da guerra entre Rússia e Ucrânia, cuja cobertura midiática tem sido carregada de racismo e xenofobia, há outros que não ganham a mesma repercussão na mídia, como conflitos na Síria, no Afeganistão e em outros países da África, como Nigéria, Sudão e Angola. Em geral, os conflitos são motivados por disputas territoriais, golpes de estados que geram crises políticas e disputas por água e recursos naturais.

Na África, muitos conflitos são causados por rivalidades tribais motivadas por questões étnicas ou religiosas e até mesmo pelo processo de colonização e de interesses do imperialismo. Um relatório divulgado pela Convenção sobre a Eliminação da Discriminação a Mulheres (CEDAW), revela o aumento da violência de gênero e até de feminicídios na África do Sul. “Segundo o grupo, muitas mulheres e meninas na África do Sul, especialmente em áreas rurais, são vítimas de práticas danosas incluindo casamento infantil, sequestro para casamentos forçados e poligamia, que levam ao aumento da violência doméstica. Uma das situações mais odiosas se refere ao sofrimento das meninas pela mutilação genital feminina que, segundo a ONU, é uma realidade para cerca de 200 milhões de meninas e mulheres”, completa Elza.

O mundo árabe é marcado por uma visão extremamente patriarcal, resultando em sucessivos problemas quanto aos direitos das mulheres oriundos, principalmente, do fundamentalismo religioso, o atraso educacional e científico. “As mulheres que vivem em regiões de conflito perdem todos os seus direitos. A maioria acaba em campos de refugiados sem as mínimas condições de sobrevivência e de manter o cuidado com as crianças e adolescentes, que ainda sofrem diversas formas de violência, sedo a principal registrada a violência sexual. Basicamente, os homens fazem as guerras e as mulheres sofrem os principais impactos”, finaliza Priscila.