O papel do Serviço Social na garantia dos direitos humanos

Hoje, é o Dia Internacional dos direitos humanos. A data celebra a criação da Declaração Universal dos direitos humanos, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948. Nesta data tão importante, o Conselho Regional de Serviço Social do Paraná (CRESS-PR) enfatiza a luta pela garantia ao acesso desses direitos por toda população mundial.

A Declaração dos Direitos Humanos foi promulgada diante das atrocidades da Segunda Guerra Mundial. Por meio da Declaração foi possível ter um norte de uma vida humanamente possível, tendo como eixo a liberdade, a dignidade e a participação integral na sociedade. A declaração é composta por 30 artigos que garantem minimamente a igualdade de direitos à população, entre eles estão acesso a educação, o trabalho e a moradia, direitos reconhecidamente ainda precarizados.

“É fundamental essa luta por direitos humanos”, garante a professora doutora Olegna de Souza Guedes, docente dos cursos de graduação e pós-graduação de Serviço Social da UEL. “Temos os direitos humanos como uma perspectiva emancipatória, ainda que nos limites da emancipação política. Hoje, graças aos direitos humanos podemos lutar contra a devastação de terras indígenas, das ocupações quilombolas, das populações ribeirinhas, podemos lutar por condições dignas nos sistemas prisionais. Poder ter os direitos humanos é pensar no quanto eles são ferramentas de luta. O Brasil é um dos países signatários dos direitos humanos, assim, tem o dever de incluir nas legislações aspectos que estão celebrados na Declaração Universal de Direitos Humanos”.

As (os) Assistentes Sociais não possuem condições de garantir os direitos humanos à população, esse é um papel do Estado. “Mas, muitas vezes, Assistentes Sociais trabalham em instituições e organizações que podem contribuir para encaminhar, viabilizar o acesso aos direitos ou reclamá-los quando não são atendidos. Podem ainda contribuir para fortalecer parcelas da população e demonstrar a importância da organização política para reivindicá-los”, explica Daniela Möller, mestra em Serviço Social pela UFSC, Assistente Social do Tribunal de Justiça do Paraná e Conselheira do CFESS.

O trabalho das (os) Assistentes Sociais pela garantia dos direitos humanos à toda a população envolve a luta pela liberdade e autonomia dessas pessoas como sujeitos que integram a vida em sociedade. André Henrique Mello Correa, residente no Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Coletiva da Fundação Municipal de Saúde de Ponta Grossa e Colegiado ao Nucress Ponta Grossa (2021-2023), explica que a categoria atua frente a um conjunto de demandas em diferentes espaços sócio-ocupacionais, seja no âmbito público ou privado. “Tais demandas expressam, via de regra, um conjunto de desigualdades e violações dos direitos humanos fundamentais, como o não acesso a trabalho e renda, educação, saneamento básico, direito à moradia, racismo, lgbtfobia, capacitismo, violência urbana e intrafamiliar, dentre tantas outras. É princípio basilar do nosso código de ética profissional a defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo. Neste sentido, constituindo bandeira de luta fundamental a articulação coletiva da categoria e também junto com as (os) usuárias (os) para o tensionamento da sua materialização, orientando, organizando, dialogando alternativas e incidências, junto a rede de políticas públicas, sistema de garantia de direitos e afins”.

“Conhecemos de perto realidades que dialogam com a miséria, seja no campo material ou subjetivo. Não podemos permitir que as diversas formas de violência atravessem os serviços, os quais passam pela atenção do Serviço Social, não apenas por atender o Código de ética Profissional, que tem como premissa a garantia de direitos, mas, sobretudo, por fazer valer a Declaração dos Direitos Humanos, por considerar que nosso projeto profissional é a construção de uma nova ordem societária, plural, porém justa e igualitária”, acrescenta Deby Caroline Eidam, Assistente Social e membra da Câmara Temática de Direitos Humanos do CRESS-PR e mestranda em filosofia pela PUC-PR.

Segundo Daniela, os direitos humanos podem ser entendidos por mais de uma vertente teórico-política. “Sob uma perspectiva crítica, os direitos humanos são fruto de lutas históricas pelo reconhecimento de sujeitos sociais concretos das crianças, mulheres, negros e negras, indígenas, povos originários, pessoas com deficiência, lgbts, entre outros, que possuem necessidades para viver em sociedade e se desenvolver nela. Em geral, diz-se que todos são iguais perante a lei, mas na realidade sabemos que as desigualdades são imensas, mesmo com a aprovação de legislações universais, que garantem os mesmos direitos a todos, todas e todes. Então a aprovação da lei é apenas uma parte na luta pelos direitos humanos, a lei é o reconhecimento e garantia de algo que pode ser reclamado. Mas que muitas vezes somente se efetiva com mais processos de lutas e organização política. Em contextos conservadores como o que vivemos, falar em direitos humanos é ainda mais difícil, pois há um projeto ideo-político de desqualificação da luta por direitos humanos. O dia alusivo a esse tema é então uma oportunidade de dialogar com a sociedade sobre seu significado”, explica.

Pandemia e a violação dos direitos humanos

A pandemia da Covid-19 trouxe impactos diferentes para cada país, de acordo com o nível de desenvolvimento econômico e também dos governos eleitos. Mas, de uma forma geral, é possível observar que a pandemia escancarou inúmeras contradições sociais. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a pobreza e a fome vêm aumentando consideravelmente nos últimos dois anos, o que não se via há décadas. Além de crianças e adolescentes que estão perdendo o direito à educação.

Um dos principais direitos garantidos pela Declaração é o Direito à Vida. Entretanto, neste período de pandemia, milhares de brasileiros tiveram esse direito boicotado por conta do discurso negacionista do atual governo e pela demora na aquisição de vacinas. “Esse direito negado representa 640 mil mortes de pessoas de todas as classes sociais, cores e gênero. Pessoas com projetos pessoais e familiares, um luto sem despedida. Fica evidente que mesmo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos a humanidade está vulnerável a uma política ideológica”, comenta Deby.

“No Brasil demoramos para conseguir que a vacina chegasse aos brasileiros, por termos um governo negacionista. Mas é importante reconhecer que diferente de outros países, tínhamos um Sistema de Saúde com atendimento universal já estabelecido e com grande experiência de cobertura vacinal, mesmo com toda a diversidade geográfica do território no nosso país. É lamentável que tenhamos tido um contingente de mais de 600 mil mortos por algo que poderia ter sido evitado. Certamente dentre esses mortos estão os trabalhadores informais, domésticos e populações vulneráveis. Basta lembrar que a primeira morte foi de uma trabalhadora doméstica. Também são as crianças que estudam em escolas públicas as mais prejudicadas frente ao tempo longe da escola. Aqui, tivemos que ter mobilização nas ruas e uma CPI para que medidas fossem tomadas em relação a pandemia. Ou seja, mesmo existindo toda a legislação prevendo o direito à vida e a saúde, o que assegurou a intervenção do Estado foi a pressão política”, acrescenta Daniela.

Direitos humanos na prática

Na teoria, os direitos humanos são universais e independem de cor, raça, credo, orientação política, sexual ou religiosa. Na prática, não é bem assim. Segundo André, a realidade objetiva confronta a letra da lei na medida em que a reprodução das desigualdades é inerente à lógica destrutiva do capitalismo. “Ou seja, configura-se numa agenda flagrante de violação de direitos humanos no dia a dia da classe trabalhadora. Avanços legais são importantes, do ponto de vista do respaldo jurídico e da cobrança de sua materialização, enquanto incidência de uma agenda política do conjunto da classe trabalhadora em suas diferentes organizações. Neste sentido, os direitos humanos não encontram materialidade na vida de infindáveis pessoas e contextos, a exemplo da crise humanitária de refugiados na Europa e em países da América Latina. Não indo muito longe, basta olharmos nossa realidade enquanto Brasil. Estamos falando da oitava maior economia do mundo e ao mesmo tempo um dos países mais desiguais. Com a terceira maior população carcerária, que mais mata pessoas trans no mundo, com mais 14 milhões de desempregados e desalentados, que lidera rankings de assassinato dejovens, que arquiteta desmatamentos e invasões de terra indígenas, que tem mais de 200 mil pessoas em situação de rua”.