Comunidades e povos tradicionais contam suas histórias de resistência e luta em evento da CT de Direito à Cidade

Nessa quinta-feira (16), a CT de Direito à Cidade realizou o evento online “Direito ao território, à moradia, à acolhida e ao pertencimento sob a perspectiva do direito à cidade”, que contou com a presença de representantes das comunidades indígena, quilombola, caiçara, imigrantes e refugiados e população em situação de rua. O encontro relatos ricos sobre as principais dificuldades e necessidades desses grupos, apresentando suas demandas e formas de luta pelo direito ao território, às políticas públicas e à vida. O encontro ainda debateu o papel do Serviço Social na luta por esses direitos. Abaixo você confere os destaques das falas das (dos) participantes. As falas e o evento completo podem ser conferidos na página do YouTube do CRESS.

Claudio de Araujo Nunes – um dos coordenadores do Movimento dos Pescadores Artesanais do Litoral do Paraná (Mopear), representando a comunidade caiçara

“Vivemos na comunidade pesqueira na Ilha de Superagui, no litoral paranaense. Desde os anos 80 sofremos com a repressão de ter o nosso território invadido por empresas que queriam explorar e exercer suas atividades aqui. Em 1989, foi criado o Parque Nacional e começamos a nos organizar até que em 2008 criamos o Mopear. Passamos a ter uma resistência e o estancamento de saída do nosso povo que estava tendo seus direitos violados sendo praticamente expulso das terras. Muita gente aqui não tem o entendimento da repressão que sofre, mas nós nos mantivemos aqui.

Hoje a gente se organizou, criou ferramentas de lutas e voltamos para a escola para ter o conhecimento sobre movimentos e leis, estamos tentando superar as dificuldades de comunicação que existem aqui. Não há quem faça esse trabalho por nós então nós mesmos buscamos difundir o conhecimento, realizamos nós mesmos os acordos e termos de compromisso com os órgãos ambientais e temos um protocolo de consulta para a realização de estudos. Hoje temos o apoio da Defensoria Pública, do Ministério Público, das universidades e estamos na luta pela preservação da comunidade e do território.

Nyg Kuitá – integrante do povo Kaingang na Terra indígena Apucaraninha/PR e estudante de Serviço Social

Não há como começar a falar de demandas sem o direito ao território e estamos tentando fazer com que a sociedade ouça esse nosso clamor. Temos uma relação umbilical com a terra em que vivemos e seguimos sofrendo processos de colonização e ataques de todos os tipos por empresas para explorar nossas riquezas. Apenas no Paraná são 23 territórios com três diferentes etnias. A aproximação com o Serviço Social é muito importante para proteger os direitos indígenas e executar políticas públicas que existem mas não são pensadas para nós, não levam em conta nossas especificidades.

Cada povo tem a sua maneira de existir e de viver, nossos conceitos de cultura, educação, saúde e a sociedade desconhece isso. Estamos passando por um momento de dificuldades com a legalização da grilagem, da abertura de terras para o desmatamento e a mineração e temos buscado estratégias com programas coordenados que denuncia o que acontece no nosso território. Hoje temos representação no Congresso Nacional, com a frente pelos direitos indígenas, estamos nas universidades e o Serviço Social é uma grande ferramenta para fortalecer essa luta, para multiplicar as informações na busca por direitos. Defendemos a nossa terra não só pela gente, mas pelo planeta todo. Nossa luta é a luta pela defesa da natureza também. Precisamos nos organizar e buscar nossos direitos.

Djankaw Matheus – integrante da Comunidade Quilombola Paiol de Telha, em Guarapuava, e bacharelanda em Serviço Social, representando a comunidade quilombola

Para falar da comunidade quilombola temos que falar na construção do nosso país, que foi invadido pelos europeus e, nesse processo, também foram trazidos milhões de africanos de diferentes culturas que foram escravizados. Houve a escravidão dos corpos pretos por mais quase 400 anos e depois veio a falsa abolição. Nesse processo, muitos negros e negras fugiram para lugares que eram tidos como desenvolvidos e assim se formaram os primeiros quilombos, grupos de africanos que se organizaram e se reuniram com sua forma de pensar, seus saberes, suas religiões, línguas e costumes próprios. E até hoje vivemos essa resistência. Os quilombos não estão só nos espaços rurais, precisamos transitar nos espaços urbanos. Temos essa falsa ideia de desenvolvimento arraigada.

São projetos políticos que violam os direitos humanos a partir da prática de ideologias preconceituosas que nos atingem diariamente. Fomos distanciados dos espaços de poder (eu sou a primeira graduanda da minha família) e temos dificuldades de integrar espaços de construção societária. Temos que penar o Serviço Social de forma multidimensional, interseccional, interdisciplinar e intersetorial. Precisamos pensar para além do assistencialismo, de forma micro e macro, ocupando esses espaços de poder. É preciso pensar nos grupos marginalizados e desumanizados, não esperar apenas essa demanda ser trazida para o Serviço Social. Ser travesti preta quilombola e artista é reexistir. Temos nossas formas de viver e de se relacionar com a terra. Temos a necessidade de manter nossos corpos-territórios e estamos nos organizando para buscar direitos que nos são negados.

Leonildo Monteiro – coordenador do Movimento Nacional da População de Rua no Paraná (MNPR), representando a população em situação de rua

A população de rua passa por um momento de grande dificuldade. Perdemos vários companheiros de luta com a pandemia e temos tido muitos retrocessos, com vários Centros POP (para atendimento à população em situação de rua em Curitiba) que fecharam e temos tido violações de direitos a nível federal, estadual e municipal. Com o fechamento de restaurantes, banheiros públicos e outros serviços a população em situação de rua ficou à mercê. Além disso, foram terceirizados muitos trabalhadores e educadores que ajudavam no atendimento a essa população mas sem esse controle há profissionais sem o conhecimento necessário. Precisamos criar uma cozinha comunitária em Curitiba e a Prefeitura não nos apoiou e ainda fez o projeto de lei que proibia a distribuição de alimentos. A Defensoria Pública nos ajudou recorrendo dessa lei porque foi um retrocesso muito grande. A nível estadual há reuniões mas não há ações práticas.

Vamos ter nos próximos dias uma reunião com o poder judiciário e vamos tentar criar um grupo de trabalho para trabalhar a Resolução 40 do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (que dispões sobre a defesa de direitos humanos dos moradores em situação de rua) e queremos trabalha-la entre as (os) assistentes sociais e os órgãos de poder. Também vamos lutar contra o projeto de lei da Prefeitura de Curitiba em audiência pública na Câmara e manifestar nossa desaprovação. Se a população em situação de rua já sofria antes hoje é ainda pior, mas seguimos na luta.

Elisangela Hahn dos Santos – assistente social com atuação na Cáritas Brasileira Regional Paraná, representando os imigrantes e refugiados

Atuo na área de imigração e refúgio no projeto que atende venezuelanos que estão por aqui. Sempre dizemos que não há imigrante ilegal, apenas em situação irregular. São conceitos de construção de poder e dominação. O processo de imigração pode acontecer de forma planejada mas o de refúgio é sem planejamento, quando a pessoa sai correndo do seu país. Eles e elas as não conseguem levar nada, trazem junto todas as suas vulnerabilidades e quando chegam aqui ainda sofrem a violação de direitos. A (o) profissional que faz esse diálogo pratica um ato político, afinal precisamos enxerga-los como sujeitos de direitos. A gente vê que existe um processo de valorização que é eurocêntrico e que há o preconceito e a xenofobia. É difícil traduzir o sofrimento delas (es) quando chegam aqui. Buscamos fortalecer e empoderar essas pessoas para que busquem seus direitos.

A Lei da Imigração é de 2017, algo ainda muito recente, e ela garante todos os direitos por lei. Mas diariamente a gente vê essa violação e a dificuldade para o acesso a direitos básicos, como foi o auxílio emergencial, por exemplo. Muitos não têm celular, televisão ou internet, há a falta de documentos e a dificuldade com a língua. Há ainda a violência contra a mulher cometida dentro das casas e a dificuldade para fazer denúncias, além dos processos de despejos que colocou muitas (os) imigrantes em situação de rua, o desemprego e a fome. Nosso desafio é garantir que eles possam falar dos processos pelos quais passam durante a pandemia, é empoderar e fortalecer essas (es) imigrantes para que busquem seus direitos, ainda que haja a desinformação ou o processo de exclusão ou de preconceito que alguns serviços públicos exercem. É preciso acessar espaços democráticos de direitos. Os espaços de educação popular possibilitaram esses diálogos. Também temos o Conselho para imigrantes e refugiados, associações, mas ainda temos que avançar.

O poder público tem sido opressor em relação à especificidade da população e as políticas públicas não foram feitas para ouvir as narrativas das pessoas. São políticas coloniais construídas a partir de um único olhar. Precisamos desconstruir conceitos, entender as vidas e culturas dessas pessoas, ter essa escuta ativa. Meu atendimento com o Serviço Social não pode ser uma reprodução, tem que ser individual, para entender e respeitar aquela realidade. Precisamos reconhecer a necessidade de nos conectarmos e entendermos quem é aquela pessoa naquele território.