Demandas por serviços de saúde mental aumentam e assistentes sociais da área relatam dificuldades no segmento

A pandemia do coronavírus mudou a realidade da saúde em todo o país mas também trouxe reflexos profundos sobre outro segmento que recebe menos olhares, mas ainda assim é de grande importância: a saúde mental. O setor também teve que se adequar e passar por diversas mudanças como o atendimento remoto, por telefone, vídeo ou email, especialmente no caso de atendimentos em grupo, tornando assim apenas os atendimentos emergenciais presenciais ou visitas domiciliares em casos específicos. Essas mudanças afetaram a rotina e a saúde de diversos pacientes com transtornos mentais.

“Foi necessário a realização de ajustes nos atendimentos em toda a Rede de Atenção Psicossocial. Uma das principais mudanças está relacionado aos atendimentos, antes em grupo, que promoviam a socialização e troca entre os usuários atendidos. Muitos deles tiveram uma piora no quadro com a perda da socialização e a não possibilidade de acesso ao lazer, cultura, música. Outro recurso foi o de utilizar o telefone para monitoramento dos usuários inseridos e orientações, como também visitas domiciliares”, explica Flávia Granzotto Fachini, que atua em um CAPS em Curitiba.

A presidente do Conselho Regional de Psicologia, CRP-PR, Celia Mazza de Souza, falou sobre a importância em continuar com os tratamentos mesmo com as dificuldades atuais.

“No último ano e no decorrer deste será necessária a adaptação aos novos meios de contato interpessoal e de cuidados com o coletivo. O distanciamento é muito mais necessário agora, mas os contatos de forma remota devem ser valorizados e ampliados, para que as redes de apoio não se percam. A suspensão de oficinas e atividades coletivas estão suspensas e isso certamente é bastante prejudicial no que tange à saúde mental mas, neste momento, proteger a saúde à vida é prioridade. Agora não é hora de parar tratamentos, pelo contrário”, finaliza.

A pandemia trouxe o agravamento de diversos quadros relacionados a dificuldades emocionais, como o nervosismo e a ansiedade e que em casos mais graves evoluíram para a depressão ou mesmo o surgimento de transtornos mentais. Com isso, as (os) assistentes sociais também se depararam com uma mudança na rotina e o impacto em pacientes que não frequentavam as unidades da Rede de Atenção Psicossocial.

“Em relação a demanda, pode-se citar que houve um aumento significativo nas queixas relacionadas a depressão e ansiedade, sendo os sintomas ansiosos a principal queixa deste período. Entretanto se faz necessário avaliar se estas queixas estão relacionadas efetivamente a um diagnóstico de Transtorno Mental. Entende-se que esta ansiedade pode se manifestar como uma situação mais focal, especificamente relacionada à pandemia; pode potencializar um transtorno mental já diagnosticado e em tratamento; ou deflagrar um Transtorno Mental pré-existente ainda sem diagnóstico”, ressalta Ruth da Silva Lemes, assistente social da área da saúde mental em Toledo.

A possibilidade do agravamento de quadros pré-existentes também é uma preocupação frequente, por conta das dificuldades enfrentadas no atual cenário social, econômico e sanitário. Todas as preocupações presentes entre a população também têm causado grandes efeitos sobre a saúde mental da população.

“Observa-se que o aumento dos casos de estresse, depressão, ansiedade, insônia, crise de pânico, pensamento suicida e o consumo de substâncias ilícitas e licitas estão associados ao medo e o perigo da contaminação, às consequências socioeconômicas e o estresse traumático pós COVID. Deste modo ansiedade e a depressão têm sido coadjuvantes com outros transtornos já instalados ou preexistentes como transtorno obsessivo compulsivo, de personalidade, bipolaridade, esquizofrenia, fobias especificas e doenças psicossomáticas. Pacientes portadores de tais transtornos estão tendo o agravamento do seu quadro, entrando em surto, ou seja, em crise, devido ao isolamento e distanciamento físico, e precisam receber acolhimentos e atendimentos”, afirma Ana Lúcia Stefaniack, assistente social da Secretaria de Saúde de Santo Antonio da Platina.

A profissional explica ainda que é de grande importância fortalecer as equipes de Atenção Básica do Sistema Único de Saúde (SUS), uma vez que as estruturas dos CAPS são indicadas para municípios ou regiões de saúde com população acima de 15 mil habitantes e, para municípios de pequeno porte a atividade dessas (es) profissionais podem ser de fundamental importância. “As práticas desenvolvidas na Atenção Básica e nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) são instrumentos com forte potencial para ações de acompanhamento dos efeitos da pandemia sobre a saúde mental no médio prazo. Além disso, as equipes de Estratégia Saúde da Família (ESF) têm como finalidade a promoção da saúde e a prevenção de agravos. Dessa forma, ao se depararem com casos de transtornos em saúde mental, estes são encaminhados de acordo com o nível de complexidade para outros serviços da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Mesmo com as mudanças na forma de atendimento, isso não altera por parte das equipes a necessidade de olhar para as pessoas de forma singular, de dialogar com a rede de serviços, de atender as situações de crise e garantir a comunicação da equipe”, ressalta.

Outro quadro que traz preocupação também diz respeito à saúde das (dos) próprias (os) profissionais de saúde mental, que têm ficado sobrecarregados com o aumento da demanda.

“Muitos dos ganhos e reconhecimentos obtidos pelo trabalho foram substituídos pelo atendimento constante de situações de emergência, o trabalho longitudinal tornou-se mais difícil e as estratégias limitadas. Percebe-se um aumento do sofrimento psíquico, desgaste físico e mental das (dos) trabalhadoras (es) que lidam com a dor de outros diariamente de forma constante. Há a escassez das condições materiais de trabalho, possibilidade reduzida do trabalho em rede e da diminuição de encaminhamentos aos leitos hospitalares, por conta da utilização de equipamentos para o tratamento de pessoas infectadas pela covid, além de um aumento da responsabilidade e do cuidado em situações de crises graves e moderadas pelos CAPS”, relata Flavia.

“Muitas (os) profissionais estão cansados, sob muita pressão. Além de se preocuparem com os pacientes também há a demanda de muitas (os) colegas de trabalho que têm apresentado preocupação, insegurança e ansiedade e muitas (os) têm apresentado sintomas relacionados a um quadro de Transtorno de Estresse Agudo”, enaltece Ruth, que explicou ainda que profissionais da área de saúde mental em Toledo têm sido colocados para atender profissionais da linha de frente, além do apoio às (aos) pacientes dos CAPS.

A assistente social do Hospital Psiquiátrico Adauto Botelho e conselheira do CRESS-PR, Priscila dos Santos Brasil, explica que ainda há dificuldades relacionadas à redução de recursos recebidos pelos municípios para os investimentos em saúde mental.

“Cada município tem autonomia para organizar seu trabalho em rede, e ainda temos que ressaltar as diversas interferências do Governo Federal, incentivando os internamentos psiquiátricos em detrimento do atendimento em regime ambulatorial. Os municípios têm sofrido com a redução ou com recursos direcionados para tratamentos em hospitais psiquiátricos. Os usuários sentem a falta de opção no cuidado de saúde mental, pois quando a única opção são as alternativas totalitárias e distantes dos seus territórios”, destaca.

Há 7 anos atuando no Adauto Botelho, Priscila afirma que hospitais psiquiátricos são instituições que não deveriam mais existir, uma vez que todos os seres humanos têm o direito ao cuidado em liberdade, com tratamento próximo a amigos e familiares. Ela afirma ainda que a pandemia ampliou esse isolamento uma vez que os familiares não podem realizar visitas aos parentes hospitalizados e possuem contato apenas por telefone ou chamadas de vídeo.

Hospital Adauto Botelho é a instituição psiquiátrica mais antiga do Paraná

“Como a única opção em muitos casos a única oferta de tratamento é o hospitalar, os usuários são extraídos dos seus direitos do cuidado em liberdade. Essas pessoas não criam vínculos com a comunidade e serviços especializados em nível municipal, trazendo grandes prejuízos. Muitas pessoas foram negligenciadas em suas demandas em saúde mental e voltamos a antigos paradigmas que já havíamos discutido exaustivamente durante a Reforma Psiquiátrica”, relata.