No dia de comemoração de Zumbi dos Palmares e da Consciência Negra, 20 de novembro, a dura realidade de negros e negras no Brasil mostra os imensos desafios para o enfrentamento à desigualdade étnico-racial. Essa população ainda tem menos acesso às políticas públicas, a espaços de representatividade política, recebem menores salários, está mais exposta à violência.
As mulheres negras são ainda mais vitimizadas. Nas eleições de 2016, elas foram apenas 5% entre as eleitas a vereadoras; recebem salários equivalentes a 58,2% dos salários da mulher branca (Ipea 2017), ocupam postos de trabalho mais precários.
O negro é a principal vítima da violência. De acordo com o Atlas da Violência, divulgado no dia 27 de agosto, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 75,7% das vítimas dos 57.956 homicídios cometidos no Brasil em 2018 eram negras.
No dia da Consciência Negra há pouco que se comemorar e muito que se refletir sobre as formas de intervenções nos diversos âmbitos da vida para combater o racismo. Fernando Lopes, assistente social negro integrante da Comissão de Ética e de Direitos Humanos do CRESS-PR, Alexsandra Moreira, assistente social negra integrante da Comissão de Orientação e Fiscalização (COFI), Marcelo Nascimento de Oliveira, assistente social negro integrante da gestão do CRESS-PR e a estudante negra de Serviço Social, Cinara Garcia, falam sobre ações necessárias para esse enfrentamento.
“O racismo afeta toda a população por legitimar a violência e contribuir para a manutenção da reprodução do sistema capitalista que desumaniza as relações.” (Fernando Lopes)
Fernando Lopes afirma que o enfrentamento ao racismo exige reflexão histórica, visibilidade às práticas racistas que não estão explícitas, preparo do meio institucional para refletir e combater as desigualdades étnico-raciais. “Não podemos ficar apenas nas ações imediatas do racismo. É necessário revisitar as histórias social e econômica marcadas pelo modo de produção escravocrata, para pensarmos a construção de intervenções coletivas, junto aos movimentos sociais e políticos.”
Na questão da visibilidade ao racismo, segundo ele, a categoria de assistente tem em seu cotidiano profissional demandas que apresentam o racismo velado por meio do acesso negado a políticas públicas. “Precisamos dar visibilidade a essa forma de racismo, mensurando, diagnosticando, levantando dados, perfil das famílias com menor poder aquisitivo e escolaridade, para construirmos as estratégias coletivas.”
“Ainda somos presos só pela cor da pele, não há o que comemorar, os avanços são a passos lentos. Se não ficarmos vigilantes, perderemos o pouco que conquistamos em termos de igualdade.” (Cinara Garcia)
Cinara Garcia afirma que neste momento é importante relembrar que foi Zumbi dos Palmares que de fato libertou os negros, e que as ações do governo à época, inclusive a Lei Áurea promulgada com apenas dois artigos, foram pensadas para impedir fortemente a inclusão do negro à sociedade.
“O racismo estrutural vem se estruturando desde o período pós-abolição, quando o negro ex-escravo foi empurrado para o submundo sem oportunidades e com criação de leis que o segregavam ainda mais, como a Lei da Vadiagem, que o impedia de se reunir em lugares públicos, sob pena de prisão, e a Lei da Capoeira que vedava essa manifestação cultural.”
A estudante fala que hoje, apesar dos avanços (a passos lentos) na integração do negro à sociedade, para que as políticas públicas se tornem de fato eficazes é preciso não só incluir, mas criar condições de permanência da pessoa negra, em condições igualitárias. “A efetividade da Lei das Cotas Raciais, por exemplo, se mede não somente por incluir, mas por manter com dignidade o negro, a negra, na instituição. De nada adianta uma política pública que não está associada à mudança de mentalidade na cultura organizacional, no sentido de combater práticas racistas diárias nos ambientes. A Lei de Cotas Raciais traz equidade, mas precisa estar vinculada a campanhas educativas e de conscientização sobre a valorização da pessoa negra.”
A união entre pessoas negras e brancas no enfrentamento da desigualdade e da violência étnico-racial é outro ponto que Cinara Garcia considera essencial. “Aos meus 44 anos, não pensei que veria um homem negro ser morto na televisão como o George Floyd. Parecia cena de filme. Como o povo poderia se calar diante de tamanha atrocidade? E não se calou. O resultado veio nas urnas e isso se deve à união entre brancos e negros em prol da igualdade. E esse legado deve nos servir de inspiração, pois os negros e as negras americanas/os são apenas 13% da população, mas sua união sobrepõe aos nossos 56% no Brasil. Essa luta é de todos nós.”
“É impossível pensar o Serviço Social e as políticas públicas sem considerar os quesitos raça e cor. É imprescindível manter o debate e estruturar ações contra o racismo.” (Alexsandra Moreira)
Alexsandra Moreira fala que as demandas étnico-raciais não chegam à Comissão de Orientação e Fiscalização (COFI), da qual ela é integrante, o que sinaliza a invisibilidade do tema. “Como assistente social negra, acredito que diariamente colegas sofrem racismo no seu local de trabalho. Usuários das políticas públicas nas quais atuamos também têm seus direitos cerceados por conta da cor. Mas estas demandas não chegam até a COFI pela invisibilidade e a falta de debate entre a categoria.”
Alexsandra, no entanto, ressalta, que o enfrentamento e discussão não podem sair do radar da categoria. “Precisamos ter ações relevantes no cotidiano profissional que possam repercutir entre assistentes sociais e a sociedade, pois negros e negras são as/os que mais demandam políticas públicas, especialmente Saúde e Assistência Social.”
“Nós assistentes sociais devemos ter enquanto direção que não basta apenas não ser racista, devemos cotidianamente ser antirracista e tecer na luta o combate ao racismo”. (Marcelo Nascimento de Oliveira)
Marcelo de Oliveira destaca a importância das campanhas e ações do conjunto CFESS/CRESS nos últimos anos, como a campanha do CFESS “Assistentes Sociais no Combate ao Racismo” e o registro histórico de ações realizadas pelo Conjunto, que compõe o livro Combate ao Racismo, lançado em 2020.
Outra importante produção é o CRESS em Movimento, com o tema: Racismo Estrutural, Direitos Humanos, Exercício Profissional e Lutas Emancipatórias Antirracistas, organizado pela Câmara Temática de Direitos Humanos. A publicação foi lançada no dia 14 de novembro.
“Esses materiais são indispensáveis que a categoria confira, para se engajar e replicar a ideia nos espaços de atuação”, recomenda ele.
O CRESS-PR, segundo Marcelo de Oliveira, tem intensificado o combate ao racismo, com a participação em frentes de lutas, apoio a movimentos da população negra, ações de combate ao racismo institucional e, principalmente, adequando as linguagens de comunicação do Conselho.
“Acompanhamos que o racismo tem sido cada vez mais explícito e cada vez mais violento, numa sociedade onde se alimenta ainda mais o conservadorismo e o reacionarismo que se alavancou, principalmente, no campo político nos últimos anos”.
Ele destaca também que a Comissão de Trabalho e Formação Profissional e a de Comunicação têm intensificado a defesa ao combate ao racismo. “Nesse sentido, garantimos para o planejamento de 2021, ações de educação permanente acerca da igualdade étnico racial com ênfase no combate ao racismo no âmbito da formação profissional. Já as ações na Comissão de Comunicação têm sido centradas na adequação do uso da linguagem e na representação de homens e mulheres negros/as nas imagens e peças publicitárias”.
O CRESS Paraná está presente e convoca toda a categoria para encampar esta luta no combate ao racismo. Combate ao racismo se faz todo dia.
“Numa sociedade racista, não basta não ser racista é preciso ser antirracista”. (Angela Davis)