“A hora é mais sobre olhar para dentro para identificar potencialidades do que sobre apresentar respostas”

A assistente social Naara Guirro de Oliveira atua na Política de Assistência Social em Novo Itacolomi, município com pouco mais de 3 mil moradores. Ela é coordenadora do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e, devido à equipe reduzida, também assumiu a função de técnica de referência para Proteção Social Especial. Naara vem se confrontando com uma realidade que impede a atuação profissional como conhecia até então, com contato direto com o público. As mudanças levam a assistente social a se deparar com o sentimento de impotência ao mesmo tempo em que busca, por meio do compartilhamento com outras/os colegas de profissão, estratégias de fortalecimento.

Como tem sido sua rotina com a pandemia?

A pandemia de Covid-19 tem surtido efeito negativo na rotina das atividades desenvolvidas no espaço de trabalho. Isso porque as condições não nos permitem trabalhar da forma como sabemos, ou seja, com contato direto com o público. Isso nos enfraquece e coloca à prova nossa condição enquanto trabalhadoras/trabalhadores que buscam oferecer a proteção social – tanto básica como especial. Na minha perspectiva, isso é desafiador na mesma medida em que eu percebo que tem causado um constante estado de ansiedade e sensação de improdutividade, não só individual, mas para toda a equipe técnica.

Você está em teletrabalho? Quais dificuldades tem encontrado para exercer suas atividades?

Desde o início da pandemia as atividades da Política de Assistência Social no Município não sofreram alterações. Permanecemos com trabalho presencial, sem redução de carga horária semanal. Embora não esteja desenvolvendo teletrabalho, algumas famílias acabam sendo atendidas por estes meios (aplicativo de conversa ou contato por ligação telefônica).  E com isso, observei três situações:

–  Falta de equipamentos necessários, como aparelhos smartphones e solicitação de planos para uso dos mesmos. Um para o Cadastro Único, para atendimento através de busca ativa, e outro para ser compartilhado entre as equipes da Proteção Social Básica e a Proteção Especial.

– Angústia profissional quanto à ética e o sigilo no atendimento, que ficam totalmente expostos quando não temos a possibilidade de contato presencial. Alguns casos são muito complexos e lidamos com a resistência por parte das famílias e indivíduos atendidos, que não aceitam a proposta de intervenção e levam isso para outras políticas ou mesmo vereadores, para tentar pular as etapas necessárias de atendimento.

– Dificuldades para operar os meios de comunicação (e-mail e salas de vídeo, especialmente). Entendo que é responsabilidade do Município disponibilizar um profissional da área para orientar as equipes, de modo que pudéssemos dar conta das demandas, sem prejuízo dos registros dessas atividades.

Em que condições você está realizando as atividades presencialmente?

Desde que decretado estado de calamidade pública por Covid19, todas as ações desenvolvidas em grupos estão suspensas. Isso envolve fundamentalmente o desenvolvimento do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos que, no município onde atuo, é organizado em grupos de idosos (60 anos ou mais), crianças (06 a 15 anos) e mulheres (30 a 59 anos). Isso tem colocado toda equipe para discutir formas de manter o contato com as famílias atendidas pelo serviço. No entanto, isso na prática é muito difícil para uma equipe reduzida e o teletrabalho parece não ser suficiente para manutenção do vínculo com as mesmas. Há necessidade de contratação de equipe, e esse é um problema enfrentado também pela Política de Saúde, que está sem assistente social desde que a servidora efetiva deixou o município para assumir um concurso do Estado, há meses. Isso reflete na equipe da Secretaria de Assistência que, além da demanda própria, eventualmente precisa atender questões da Secretaria de Saúde.
Outras dificuldades que valem a pena pontuar são as demandas envolvendo INSS, Caixa Econômica Federal e Sistema Judiciário. Os profissionais do Serviço Social inseridos nos CRAS, estão servindo de mão de obra terceirizada, não capacitada e não remunerada para as três “instituições”.

Tem alguma atividade que não faz parte do escopo de atividades de assistente social, que você passou a fazer em função da Pandemia?

Não, mas estamos desenvolvendo atividades fora das competências que cada órgão/instituição deveria se organizar para desenvolver sem prejuízo dos usuários. Pois, principalmente na perspectiva de não prejuízo da população atendida, é que esses atendimentos continuam sendo realizados pelas equipes de CRAS. Por fim, isso caracteriza na minha opinião, uma violência institucional com os usuários e com os profissionais, tendo em vista que a irresponsabilidade dos órgãos/instituições envolve violação de direitos dos usuários e das equipes, que para assegurar ao menos o requerimento ou acesso de informações sobre requerimento, violam seus próprios direitos.

Como isso tudo tem te afetado emocionalmente?

Durante a pandemia atender às demandas emergentes tem superado qualquer das dificuldades que eu já tenha tido até hoje, enquanto profissional. E isso tem me afetado, sim, emocionalmente. É uma sensação de impotência e de ineficiência nas propostas de trabalho com as famílias. Nesse momento, percebo que temos sido cobrados a apresentar respostas imediatas, reagir com prontidão e desenvolver estratégias sem ter essa condição. Isso gera um desconforto, alto nível de ansiedade, que inevitavelmente vem com a frustração.

Quais suas esperanças diante dessa realidade que se apresenta?

Procuro buscar opinião dos colegas de categoria para construir ideias, criar estratégias e nos fortalecer, falar sobre nossas ansiedades e discutir sobre o futuro profissional. No entanto, percebo uma angústia coletiva e atribuo isso, inevitavelmente, à conjuntura política. Desse modo, eu entendo que a hora é mais sobre olhar para dentro para identificar potencialidades do que sobre apresentar respostas, tendo em vista que são responsabilidades compartilhadas entre os poderes e os serviços e, nesse momento, sustentar o enfrentamento tem sido difícil demais.