“A juventude periférica está cansada de trajetórias interrompidas por ausência de condições”

No dia 12 de agosto foram comemorados os dias Internacional e Nacional da Juventude. Para marcar a data, Jucimeri Silveira deu entrevista para o site CRESS-PR falando sobre os desafios enfrentados pela juventude brasileira, agravados com a pandemia de COVID-19, e a atuação dos/as assistentes sociais no atendimento dessa população.

Jucimeri é doutora em Serviço Social, mestre em Sociologia, professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e coordenadora da Área Estratégica e do Núcleo de Direitos Humanos da PUCPR. É conselheira tesoureira do CRESS-PR e Conselheira do Conselho Permanente de Direitos Humanos do Paraná.

Jucimeri Silveira

No Brasil, quais os desafios enfrentados pela juventude periférica em contexto de pandemia?

JS – O Brasil está entre os 7 países mais desiguais do mundo e hoje é o epicentro da pandemia provocada pelo novo coronavírus. A desigualdade com suas expressões sociais, étnico-raciais, de gênero e territoriais, afetam a juventude brasileira, especialmente a que vive em territórios periféricos, marcados como alvos para o Estado penal que pratica, cotidianamente, políticas e dispositivos de eliminação de vidas, de jovens pretos, pobres, periféricos, jovens indígenas, quilombolas, LGBTQI+, todos aqueles e aquelas fora do padrão considerado hegemônico.

Esta juventude, particularmente entre os 15 e 29 anos, está em fase peculiar e muito importante de desenvolvimento. É fundamental que sejam efetivados os objetivos do Estado Democrático de Direito, com garantia de políticas públicas e serviços de qualidade. Como professora e pesquisadora tive a oportunidade de supervisionar um projeto chamado Conexão Jovem. Com participação de jovens estudantes periféricos, desenvolvemos novas estratégias de educação em direitos humanos, de prevenção do uso de drogas, utilizando a arte e o vínculo social, como mediações fundamentais.

Atuar em territórios periféricos, etiquetados, acostumados com intervenções proibicionistas e disciplinadoras, nos impõe o desafio da construção de espaços dialógicos, deliberativos, configurados por novas linguagens e expressões insurgentes. Este é um dos desafios para o trabalho social em Serviço Social. Precisamos posicionar os sujeitos de direitos como centrais; identificar, com eles e elas, as expressões de desigualdade, frágil ou nulo acesso a serviços, bens, riquezas; precisamos entrelaçar direitos, produzir novas subjetividades políticas na luta social cotidiana por direitos. Direitos que são produzidos no asfalto, nos equipamentos, nos territórios desiguais, nas mídias e nas redes, orientados por projetos de sociedade, projetos coletivos.

Quais as reivindicações prioritárias para atender essa população?

JS – É preciso criar mecanismos para o que o jovem, a jovem, como sujeitos de direitos, apontem suas perspectivas de futuro.  É fundamental, entretanto, que sejam garantidos direitos humanos em sua integralidade, que sejam promovidas condições para acesso à educação de qualidade, à saúde, cultura, esporte, lazer, à profissionalização, à convivência social e familiar, a partir de um debate profundo sobre um modelo de desenvolvimento que seja ecologicamente sustentável e culturalmente diverso; sobre o padrão de proteção social que queremos hoje e pós-pandemia. Nossa juventude periférica está cansada de programas pontuais, de barreiras no processo de mobilidade social, de trajetórias interrompidas por ausência de condições objetivas, pelos efeitos do racismo estrutural, da meritocracia, pela desigualdade reproduzida pelo Estado colonizado.

É fundamental promover condições para a plena expansão e autonomia dos jovens, o que implica reconhecê-los como sujeitos de direitos, com demandas específicas, com identidades a serem respeitadas, com projetos a serem realizados, o que implica um Estado efetivamente democrático, uma segurança pública modernizada e democrática, novas formas de solução de conflitos, a superação do racismo institucional, a revogação da PEC 95/16, assim como das contrarreformas trabalhistas e previdenciária; a superação de políticas de morte, por ação ou omissão; a retomada de investimentos que possibilitem acesso ao mundo do trabalho; políticas universais, amplas e integralizadas.

É preciso retomar a implementação de uma política nacional para a juventude, com diversidade, recursos públicos, políticas, programas e sistemas integrados, com forte protagonismo e participação dos/as jovens nos territórios, nas cidades.

Qual o papel dos/as assistentes sociais que estão em campo atendendo os jovens?

JS – Neste contexto, o papel das/os assistentes sociais é fundamental, pois defendem de modo intransigente, portanto, inegociável, os direitos humanos, a justiça social, a socialização da renda, da participação e da riqueza socialmente produzida. Defendem uma sociedade igualitária do ponto de vista social e com liberdades garantidas, na dimensão humana. É preciso reverter este cenário de aprofundamento da desigualdade, de aumento da violência e desproteção. É preciso promover condições políticas, sociais, culturais, econômicas, de superação dos fatores que fazem do nosso país um dos mais desiguais e violentos para nossa juventude periférica. Nossa aliança é com a população usuária dos serviços sociais. É com ela que cotidianamente devemos construir caminhos para que tenhamos cidades efetivamente justas, humanas, democráticas.