O racismo estrutural e as feridas da escravidão fizeram mais uma vítima no Brasil. Em meio a maior pandemia que vivemos em mais de cem anos, Mirtes Renata Souza, trabalhadora doméstica de Recife (PE), perdeu o filho Miguel Otávio Santana da Silva, de 5 anos, que caiu do nono andar de um prédio da capital pernambucana.
O portal G1 informou que a Polícia Civil chegou a prender em flagrante a patroa de Mirtes, que foi liberada após pagamento de fiança no valor de R$ 20 mil. Ela responderá por homicídio culposo em liberdade. A Polícia não divulgou o nome da patroa, mas, em entrevista ao portal, Mirtes informou que ela seria a primeira dama do município de Tamandaré, Sari Corte Real, esposa do prefeito Sérgio Hacker.
Mirtes havia saído para passear com os cachorros dos patrões e deixou o filho no prédio. A Polícia Civil informou que as câmeras de segurança do condomínio mostram o momento em que a patroa teria permitido que a criança entrasse sozinha no elevador.
“Se fosse eu, meu rosto estaria estampado, como já vi vários casos na televisão. Meu nome estaria estampado e meu rosto estaria em todas as mídias. Mas o dela não pode estar na mídia, não pode ser divulgado”, desabafou. Mirtes continuava trabalhando mesmo em época de pandemia. O patrão havia sido diagnosticado com COVID-19. Tanto ela quanto o filho, posteriormente, também foram diagnosticados.
A morte da criança e a permanência da trabalhadora no local de trabalho reforçam a desigualdade social no Brasil, principalmente com a população negra. Além da violência urbana que sofrem diariamente, muitas vezes durante ações do Estado em comunidades vulneráveis, a população de negros e pobres do país precisa conviver com a falta de condições para enfrentar a pandemia com segurança sanitária, acesso à saúde e possibilidade de isolamento social.
O racismo estrutural e a desigualdade social ficam escancarados nos dois âmbitos desse caso. Enquanto patrões têm a chance de fazer isolamento, trabalhadoras/es, em especial domésticas, continuam nos locais de trabalho arriscando suas vidas e saúde, já que o acesso a renda básica emergencial até hoje não é amplo e muitas pessoas permanecem na fila de espera, enquanto o governo federal vai na contramão do mundo e incentiva o fim do isolamento. Ligada a essa situação, a falta de oportunidades de uma mãe pobre e negra ter com quem deixar seu filho enquanto trabalha mostra o quanto a sociedade e o estado precisam dar mais possibilidades para a população mais pobre.
O CRESS-PR, gestão “Unidade na Resistência, Ousadia na Luta” pede justiça para a mãe enlutada e pela morte da criança de apenas 5 anos. O caso não pode ficar impune. O Conselho ressalta ainda a necessidade de lutar de equidade e justiça social, bem como em defesa dos Direitos Humanos e por uma nova ordem societária, sem dominação, exploração de classe, etnia e gênero, conforme o Código de Ética do Serviço Social.