Importantes debates sobre gênero, povos indígenas, do campo, pessoas em situação de rua e migrantes marcaram o Segundo Seminário Serviço Social e Direitos Humanos: Resistência e Lutas Emancipatórias, realizado em Curitiba, na sexta-feira, 13 de dezembro de 2019. O evento foi realizado pelo CRESS-PR no IFPR.
No início do Seminário, a Assistente Social Célia Maria Vieira de Oliveira Martins, do Movimento Negro de Curitiba e Associação Cultural de Negritude e Ação Popular, realizou com as/os presentes a execução do Hino Nacional Brasileiro. Na sequência, a abertura oficial foi realizada pela vice-presidenta do CRESS-PR, Elza Maria Campos. Ela deu as boas vindas à mesa, aos palestrantes e a todos e todas em nome do CRESS-PR, gestão 2017-2020, Tempo Resistir, Nenhum Direito a Menos, destacando que “este é um evento significativo e marcante para a categoria profissional do estado do Paraná”. Também destacou que o evento “evidencia o compromisso da gestão, com a agenda dos Direitos Humanos e seu significado histórico em realizar nessa conjuntura de tantos retrocessos e de racismo escancarado, da criminalização dos movimentos sociais praticados, principalmente por quem está no mais alto cargo do Poder Executivo”. Confira mais sobre o discurso da vice-presidenta.
Vivemos um momento sufocante, de amplificação das expressões da questão social. A população usuária precisa reconhecer na categoria o nosso compromisso com a viabilização dos direitos e no combate a todas as formas de preconceito, por isso a práxis profissional deve ser vinculada ao nosso projeto ético politico profissional.
Destaco a atuação da Câmara Temática de Ética e Direitos Humanos do CRESS/PR e agradeço os/as trabalhadores/as pela dedicação na realização do Evento.
É preciso reconhecer reconhecer o protagonismo e resistência dos povos negros, em particular das mulheres negras, da POP Rua. Da POP indígena, da população migrante, refugiada e apátridas.
Participamos da linda campanha desse ano do Conjunto desse ano. Assistentes Sociais no combate ao racismo, demonstrando que: “Nós, assistentes sociais, enfrentamos em nosso cotidiano profissional as expressões de racismo, das múltiplas violências e violações de direitos, com nossas ações e debates coletivos, com nossa articulação com movimentos sociais, usuários/as, equipes interdisciplinares, sindicatos e organizações que defendem os direitos da classe trabalhadora, com nossos questionamentos e reflexões críticas sobre o fazer profissional.
Finalizando desejo um excelente evento a todas e todos, lembrando de Ângela Davis: Não aceito mais as coisas que não posso mudar, estou mudando as coisas que não posso aceitar.
Elza também realizou a leitura de um Ato de Desagravo Público, instaurado em 14 de novembro de 2018 referente a uma situação ocorrida com uma Assistente Social em Foz do Iguaçu.
Ainda na mesa de abertura, o ouvidor da Defensoria Pública do Paraná (DPPR) Thiago Hoshino comentou sobre a necessidade de os Direitos Humanos saírem do local abstrato e genérico em que se encontram. “Os Direitos Humanos do homem branco e eurocêntrico não nos servem”. Hoshino ainda mostrou a necessidade de defensores dos Direitos Humanos não ficarem “encastelados”.
Palestra de abertura: Serviço Social, Direitos Humanos e o debate de classe, gênero e raça/etnia na profissão
A primeira palestra teve contribuições da conselheira do CRESS-PR e professora doutora Jucimeri Isolda Silveira, além da também professora doutora Zelma Madeira. A coordenação da palestra foi feita pela Assistente Social Daraci Rosa dos Santos.
Os debates foram abertos pela professora Zelma, que enfatizou a persistência de uma estrutura racista no Brasil, fato que leva a luta das/os negras/os contra o racismo estrutural. “Continuamos a luta porque as desigualdades são persistentes”. Segundo Zelma, “precisamos entender que construímos [no Brasil] um projeto de nação que valoriza uma raça pura. Esse projeto de nação é racista”. A professora ainda relembrou, assim como Thiago Hoshino, a necessidade de que os Direitos Humanos saiam de uma discussão abstrata, proveniente de um liberalismo “que não nos representa”.
Após a fala de Zelma, a professora Jucimeri comentou sobre a importância de uma aproximação entre o Serviço Social, os movimentos sociais e o popular, em um processo fundamental para a decolonização dos Direitos Humanos. “É importante fazer uma autocrítica no Serviço Social, materializar uma visão crítica e decolonizar do trabalho das/os Assistentes Sociais”. A professora ainda comentou sobre a característica dos Direitos Humanos não se reduzirem às legislações. “Os Direitos Humanos são engendrados nas lutas sociais pela dignidade, um valor humano fundante e necessário”.
Mesa 1: O Serviço Social e o trabalho com migrantes, refugiados, apátridas e população em situação de rua
Coordenada por Patricia da Silva Cardoso, a Mesa 1, realizada na parte da tarde do Seminário, contou com a Assistente Social Eliane Silvério Betiato e a professora doutora Tatyana Scheila Friedrich como palestrantes. Eliane deu início às discussões chamando para realizar contribuição dois líderes do movimentos em defesa dos direitos de pessoas em situação de rua.
O primeiro a falar foi Carlos Humberto dos Santos, coordenador estadual do Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPSR). O coordenador do movimento destacou o fato de a população nessa situação ter seus direitos negados nas praças e periferias, passando cada vez mais por situações difíceis. “O Serviço Social se faz importante nessa defesa de direitos. Vemos que o direito dessas pessoas é violado desde que são crianças nas periferias e, para elas virem para a rua é fácil”.
Na sequência, o presidente do INRua, Leonildo José Monteiro Filho, fez críticas às atitudes de governos e prefeituras, como é o caso de Curitiba, no tratamento da população em situação de rua. “Vivemos um momento difícil, acompanhado do corte de recursos e fechamento de espaços destinados a essa população. Vemos, no Paraná, que não foi implantada a política para a população em situação de rua”, criticou.
Em seguida, a Assistente Social Eliane Silverio Betiato realizou sua contribuição sobre o assunto. De início, a profissional criticou o fato de, muitas vezes, a sociedade saber quantas cabeças de gado, quantos gatos e cachorros existem no Brasil, mas não se sabe quantas pessoas estão em situação de rua, lembrando o fato de ser uma parcela da população sempre marginalizada. Depois dessa crítica, Eliane enfatizou que a política de Assistência Social é a que mais atende à população em situação de rua. “O grande desafio hoje é como essa população é organizada. Poucas vezes ouvimos relatos de que as pessoas passaram por equipamentos e conseguiram superar a situação e ter autonomia”, disse.
Na segunda parte da Mesa 1, a professora doutora Tatyana Scheila Friedrich falou sobre questões relacionadas a migrantes. Ela afirmou a necessidade de se fazer valer a Lei da Migração, uma regulamentação que pela qual foram anos de lutas pela aprovação. ELa também considerou “um absurdo” que o Brasil viva uma situação de impedimentos no tratamento de pessoas refugiadas. Ela destacou medidas tomadas pelo atual governo federal, principalmente com ataques aos contingente de refugiados vindos da Venezuela. “As/os refugiadas/os são uma população muito vulnerável e temos que lutar pelos seus direitos. Mesmo depois das conquistas, a luta precisa continuar”.
Mesa 2: O Serviço Social e o trabalho com povos indígenas, tradicionais e do campo
A segunda e última mesa do evento foi coordenada pela Assistente Social Deby Eidam e teve as participações da Mestre em Antropologia Dandara dos Santos Damas Ribeiro, que deu início às contribuições. Dandara trouxe um arcabouço jurídico, desde a Constituição de 1988, a respeito do tratamento dado aos povos indígenas, tradicionais e do campo em relação à terra. Entre os destaques feitos, a mestre falou sobre o tratamento dado pela Constituição em relação às terras que pertencem à União. “As terras são da União, mas de usufruto para aquelas determinadas comunidades, o que garante segurança jurídica. Essas comunidades têm uso exclusivo dos recursos nela existentes”, disse.
O último palestrante foi o professor Wagner, que trouxe um entendimento sobre a aproximação do Serviço Social com povos indígenas, tradicionais e do campo. Ele mostrou quais as leituras que as/os profissionais do Serviço Social têm desses povos e vice-versa, em como em que medida as/os Assistentes Sociais conseguem reconhecer esses povos e como isso acontece e as estratégias do Serviço Social para tornar esses povos mais visíveis. Uma das contribuições do professor foi a respeito de como as instituições de ensino do Brasil contribuem para o apagamento e invisibilidades dos povos. “Historicamente, as escolas criaram estratégias pedagógicas de subalternização e desqualificação desses povos”, disse, ao trazer imagens de livros didáticos e cartilhas que apontavam povos negros e indígenas de forma estereotipada.
Nos debates feitos ao fim desta mesa, Kixirá, nativa da Nação Jamamadi, considerou que o fato de a terra indígena legalmente pertencer à nação brasileira ainda ser uma violência. “Se tenho origem há cinco mil anos, porque me dão direito de uso daquilo que já é meu? Fica o questionamento. Ainda vem aí um presidente que diz que não temos direito a nenhum centímetro de terra. Nem preciso dizer que isso também é violência, quando essa terra não é nossa, é do Brasil. Então porque não temos direito a uma terra que não é nossa”, afirmou.