Dez Assistentes Sociais relembram o Massacre de 29 de Abril

Um ano após a violência cometida pelo Governo do Paraná contra estudantes, servidoras/es públicos do Estado e outras categorias de trabalhadoras/es o CRESS-PR reuniu 10 depoimentos de assistentes sociais que estavam presentes na mobilização naquele dia 29 de abril, se manifestando contra os retrocessos e lutando por direitos.

Foi um dos episódios mais tristes e violentos da história do Paraná, que deixou mais de 200 pessoas feridas e ficou marcado como um dos maiores atentados contra os direitos humanos no Estado. Até hoje ninguém foi punido. Mas a luta por justiça e pela garantia de direitos permanece firme. Nós não esqueceremos!

Confira abaixo os depoimentos:

“Estávamos no acampamento desde terça-feira [28]. Já percebíamos a tensão no ar, uma violência psicológica, simbólica. Os policiais ficavam se revezando, indo até nós. Já imaginávamos que algo iria acontecer, ficamos completamente indignados da forma com que foi feito tudo. Foi uma covardia. PM, Tropas de choque, Policia da Fronteira atacando indiscriminadamente as pessoas. Tentávamos nos refugiar, mas as bombas vinham de cima, dos helicópteros. Tinha muitos feridos, pessoas passando mal e o SIATE e os bombeiros não conseguiam se aproximar. Tínhamos que levar as pessoas feridas no colo. Sofremos algo mascarado nos dias anteriores, simbólico e repressivo.”Eliana Cristina dos Santos, assistente social e professora colaboradora do curso de Serviço Social da UEL
“Aquilo foi um ato de exceção em todos os sentidos. Já achávamos absurdo cercar a Assembleia Legislativa, cerceando direitos. Depois, quando veio a força policial contra nós foi um choque. Era uma mega operação policial, pois além de todos os que cercavam a praça tinha muitos policiais infiltrados. Vimos casos de estudantes que foram presos por policiais à paisana, por alegação de vandalismo, mas posso atestar que estes estudantes nossos não estavam fazendo nada. Prenderam eles aleatoriamente. Vimos muita gente passando mal, pelo efeito das bombas. Acompanhamos muitas pessoas feridas. Foi um massacre. A gente estava lá para reivindicar direitos, não para ir à guerra.”Silvia Alapanian, professora do curso de Serviço Social da UEL e diretora do Sindicato de Professores da UEL e Região
“Para quem esteve presente foi terrível viver aqueles momentos de violência desproporcional. Foi duro encontrar amigos e amigas machucados pelo caminho. Mas foi também um momento em que se sobressaiu a solidariedade de classes. Nós vimos servidores dos mais jovens aos mais idosos, todos na luta. Nós vimos um mar de trabalhadores e estudantes unidos, em prol dos serviços públicos e da garantia do direito que todos nós temos de se aposentar. E vimos, ainda, um movimento que depois daquele dia passou a dialogar com a população. Uma população que apoiou os manifestantes e que se indignou contra as atrocidades cometidas pelo governo do Paraná. E a mensagem permanece: Nós não esqueceremos!!!”Daniela Möller, Assistente Social do Tribunal de Justiça do Paraná
“No dia do massacre vivi um dos piores momentos de minha vida. Estava bem à frente e de cara com o cordão da tropa de choque, parecia estar em um campo de guerra. Esperava do lado de fora da ALEP para a votação que estava acontecendo em seu interior, quando de repente aqueles homens vieram jogando gás lacrimogêneo e nos encurralando em um mínimo espaço. Nunca vou esquecer aqueles olhares de ódio, sem dó e nem piedade, por parte daqueles policiais. Em determinado momento vi uma senhora idosa já passando mal e então fui puxando ela para de baixo das árvores na tentativa de aliviar sua respiração, que já estava muito ofegante. Para meu desespero começou a chover bombas lá de cima. Eu também já estava passando mal quando saí carregando a senhora e pedindo socorro. Foi aí que uma jovem me ajudou a ir para um lado da praça mais aberto. Esse dia jamais esquecerei!”Célia Regina, estudante do último ano do Serviço Social, Coordenadora Estadual da UBM – União Brasileira de Mulheres e militante dos Direitos Humanos, mãe de aluno na rede pública
“O 29 de abril representa muito mais do que o só uma data. Ele traz algo muito maior do que isso, algo que começou bem antes e que culminou com o massacre. Ele já se anunciava desde o final de 2014, quando passaram na ALEP projetos de Lei extremamente arbitrários. Cada bomba que caia parecia que acertava na alma da gente. A sensação que a gente tinha era de que poderíamos correr até o fim do mundo que eles iriam atrás de nós. Que eles queriam acabar com toda a esperança que a gente pudesse ter, com toda e qualquer organização que a gente pudesse ter. Os dias que se seguiram foram muito importantes para a gente se dar conta de que é junto, organizado, lutando, resistindo e agindo que nós, de fato, vamos construir outra sociedade.”

Fernanda Lopes de Camargo, assistente social do Tribunal de Justiça do Paraná

“Foi muito violento. A maneira como os policiais atacaram. O governador disse que os policiais apenas se defenderam contra a tentativa de tomada do prédio da ALEP, mas se fosse assim eles teriam atacado só a linha de frente. Ficou claro que o objetivo mesmo era retirar a população da praça. Tinha muito barulho, parecia campo de guerra. As crianças do CMEI ali do Centro Cívico tiveram que deixar a escola por causa dos ataques, porque o gás entrava e elas estavam respirando a fumaça. Teve muitos feridos. Mas entre os manifestantes não tinha ninguém armado, quem estava lá eram professores, servidores e estudantes. Eu não estava lá na frente, mas também vieram bombas de gás em minha direção.”Márcia Sgarbieiro, assistente social
“Cenas que vão ficar na minha memória para sempre. Foi uma ação truculenta, covarde, desleal. Foi uma cena de terror, mas também marcada pela nossa resistência, nossa luta. E isto também vai ficar para a história. O que eu vi foi uma presença muito forte dos assistentes sociais, tinham muitos profissionais do Serviço Social. Acredito que neste momento é muito importante que estejamos na luta, marcando presença e combatendo esta ação repressiva. O assistente social tem esta importância em ocupar espaços, se articular com movimentos sociais e buscar a emancipação política. Nós temos o dever de lutar pelos nossos direitos.”Lorena Portes, assistente social e professora do curso de Serviço Social da UEL
“Ao lembrar o massacre do dia 29 de abril vem à tona uma multiplicidade de sentimentos, dos quais recordo o pavor, o pânico, a indignação e a revolta. No entanto, ao mesmo tempo em que os gritos de pavor e desespero das pessoas ainda rondam meus pensamentos procuro pensar sobre outras coisas que vi naquele dia. Refiro-me à capacidade de resistência e solidariedade que unificou a classe trabalhadora naquele momento.”Renária Moura, assessora do Sindicato dos Servidores Estaduais da Saúde do Paraná – Sindsaúde-PR
“Eu acho que é fundamental que o assistente social se posicione em relação ao que está acontecendo no Paraná, tendo em vista toda a conjuntura do nosso projeto ético político. Acredito que quem faz Serviço Social quer mais do que fazer a graduação para conhecer a profissão. Tem uma coisa intrínseca que é a questão da militância. E quando não é militância é esta questão da luta pelo direito mesmo, sendo ou não dos movimentos sociais. Eu acho que a gente tem que se posicionar sim enquanto estudante de serviço social. Temos que nos colocar como agentes que apoiam a mobilização social, mas que também pensam esta conjuntura para possivelmente produzir conhecimento que venha a agregar.”Jaqueline da Conceição Belo, estudante de Serviço Social
“Assim que comecei a caminhar pela Avenida Cândido de Abreu, chegando à ‘zona de conflito’, escutava o barulho das bombas de gás. A cada bomba era um arrepio e o medo de que companheiras/os de luta tivessem sido atingidas/os. Vimos a tropa avançando, sabíamos que as companheiras estavam no ‘front’. Quando nos aproximamos do acampamento montado no local para retirar materiais, alimentos e bolsas fomos atacadas/os. Ao relembrar sinto o cheiro, o gosto e a tontura do efeito da bomba de gás lacrimogêneo. Naquele momento corri, não via ninguém, o desespero me causou uma torção e uma dor terrível nas costas. Este dia deve ser lembrado para que façamos o enfrentamento ao desmonte do Estado diariamente, para que lutemos para a garantia dos direitos e da democracia.”Janaine Santos, assistente social na Defensoria Pública do Estado do Paraná