Como foi o dia de encerramento do VI CPAS

Com mais de 600 participantes, 151 trabalhos aprovados e 105 apresentados, mais de 20 mesas de debate em diferentes formatos (oficinas, plenárias, conferências, cursos, cine-debates), 45 palestrantes voluntários e a participação de assistentes sociais de diversos municípios paranaense e de ao menos cinco estados brasileiros, o sexto Congresso Paranaense de Assistentes Sociais movimentou importantes reflexões ao longo de quatro dias. Este pequeno balanço foi apresentado na mesa de encerramento, pela conselheira do CRESS-PR Emanuelle Pereira, que comentou também que algumas polêmicas marcaram este Congresso, enfatizando que a diversidade de opiniões é parte do processo democrático é o que enriquece os debates.

O quarto e último dia do VI CPAS foi recheado de intensas reflexões sobre temas de relevância para a atuação dos/as Assistentes Sociais no período da manhã e de reflexões importantes na conferência de encerramento do período da tarde.

14-11 – Manhã. Plenárias Simultâneas

Sábado pela manhã foi o período de debates sobre temas intrínsecos à atuação profissional nas plenárias simultâneas do VI Congresso Paranaense de Assistentes Sociais. Políticas públicas para as pessoas Trans, Reforma Psiquiátrica, Democratização da Justiça, Retrocessos de Direitos, Articulação com Movimentos Sociais, Seguridade Social, Serviço Social nas redes de Educação Privada. Estes temas foram debatidos em sete plenárias simultâneas.

Diversidade Trans e a Transversalidade das políticas públicas

A fala e os debates nesta plenária foram conduzidas por Rafaelly Wiest, do Transgrupo Marcela Prado e por Daraci Rosa dos Santos, da Marcha Mundial das Mulheres. As reflexões apresentadas sobre as políticas públicas para a população trans foram muitas e extrapolaram a questão das políticas em si. Tratou-se bastante da cultura machista e patriarcal que reforça uma série de preconceitos que chegam inclusive aos atendimentos dos usuários pelos/as assistentes sociais nas diferentes áreas. Rafaelly apresentou como nossa sociedade é arcaica em relação às pessoas trans, apontando que faltam leis e faltam políticas para atendimento das pessoas e mesmo dentro do que existe, falta a implementação correta, pois existe uma cultura que se perpetua de violação de direitos desta população. “Não é a transexualidade que causa problemas ou desconfortos. São os padrões culturais que criam estes problemas. Se as pessoas falam que tal pessoa ‘virou’ mulher, nunca vão reconhece-la como mulher, fica para sempre sendo vista como uma coisa diferente”. Foi enfática ao afirmar que quando uma jovem trans comete suicídio, por exemplo, é a sociedade que matou aquela pessoa. “Hoje não há atendimento psicológico no estado para pessoas trans abaixo de 16 anos. Depois há uma série de limitações até ela completar 21 anos. E a cirurgia reparadora demora anos para ser agendada e mais anos para ser liberada. Ou seja, não há apoio do estado”. Para Rafaelly, o grande desafio do/a assistente social está além das políticas públicas. Está no entendimento de que estão lidando com pessoas, que devem ser reconhecidas no gênero que elas mesmo se entendem. A fala de Daraci, trouxe um panorama sobre uma série de conceitos como gênero, identidade e direitos, e um panorama sobre leis e portarias existentes para o atendimento às pessoas trans e também relacionadas à população LGBT. Ela também enfatizou os reflexos da cultura machista na manifestação das diversas formas de violências cometidas às pessoas trans, pelo simples fato de serem trans. Como forma de contribuição para todos/as assistentes sociais que tiverem dúvidas sobre formas de abordagem à população LGBT recomentou a leitura do Manual de Comunicação LGBT disponível no site do grupo dignidade. As contribuições dos participantes foram diversas e permitiram assim o debate sobre um tema muitas vezes não discutido. Para o estudante Raul Júnior, o debate foi excelente: “precisaríamos levar estas falas que tivemos hoje aqui para outros espaços, inclusive para a academia, pois não temos estes debates na sala de aula”.

Seguridade Social e Serviço Social: ampliando conceitos

As professoras Vânia Batista Nery e Stela da Silva Ferreira, da PUC-SP, fizeram as falas nesta plenária sobre Seguridade Social. Elas apresentaram a conceituação deste tema, que é central para o/a assistente social, apontando para um conceito de Seguridade Social ampliada, porém concentrando reflexões sobre as práticas dentro do tripé ‘Assistência, Saúde e Previdência’. Presente nesta plenária, a assistente social Juliana Moura, de Mandaguari-PR, estava animada com os debates ocorridos, pois trouxeram para ela novas visões sobre a atuação profissional. Para ela o principal ponto da plenária foi a reflexão sobre a presença do estado nestas políticas, e de como se dá o processo de construção e efetivação delas. Explicou que na Assistência e na Saúde as políticas se concretizam através de reivindicações da sociedade e na Previdência elas já estão postas. Também considerou fundamental o debate sobre o papel do/a assistente social e do/a usuário/a nos diversos espaços relacionados a estas políticas. Foi reforçada a necessidade de ampliar a participação para a luta por uma seguridade social como importante mediação dos direitos da classe trabalhadora, dentro de um contexto que tem privilegiado a mercantilização dos serviços.

Serviço Social nas redes de Educação Privada e Filantrópica

Os/as profissionais Maria do Carmo Hernandonera e Marco Antonio Barbosa, da Rede Marista, trouxeram fala pauta na em experiência de atuação profissional em rede de educação privada. O tema teve como eixo de debate a construção do espaço de atuação profissional e a disputa dentro de conceitos diferentes de pedagogia- a pedagogia emancipatória e a pedagogia conservadora. “Dentro deste pensamento mais conservador, os/as assistentes sociais são contratados para desenvolver apenas estudos e pareceres sociais ou para cessão de bolsas de estudo, mas sem envolvimento com o plano pedagógico da Escola”, comentou a conselheira Ilda Witiuk, presente na plenária. A experiência apresentada na plenária permitiu o debate sobre como ampliar implementação de uma pedagogia escola emancipatória, na qual o/a assistente social faz parte da construção do projeto pedagógico e, mesmo para estudantes particulares, passa a incluir o debate sobre a dinâmica social, sobre as lógicas que produzem a pobreza e a desigualdade, indo assim além do papel comumente a ele/a atribuído.

Saúde Mental, Reforma Psiquiátrica e relações familiares

“Vivemos o contexto de uma sociedade medicalizada, que precisa de um remédio para dormir, um para acordar e outro para viver”, afirmou Silvana Maria Escorsim, professora da UFPR Litoral. Segundo ela, esta sociedade viveu por décadas baseada no “hospitalocêntrico”, acreditando no internamento hospitalar como solução para as questões de saúde mental. “O capitalismo faz as pessoas adoecerem”, afirmou Silvana, e ressaltou: “É necessário lutar pelo projeto de reforma psiquiátrica”.
A temática das violações e do proibicionismo relacionadas ao uso de drogas também foi abordado durante a palestra. A professora Rita de Cássia Cavalcante Lima, da UFRJ, destacou que ainda existe um processo de desconhecimento e baixa formação que faz com que se tome como verdade sensos comuns adotados em relação às drogas. “O desconhecimento favorece um conjunto de práticas políticas que violam direitos”, afirma a professora.

Retrocessos de Direitos

A conjuntura de acirramento do conservadorismo e de retrocessos em direitos foi tema da plenária que trouxe as contribuições de Sara Granemann, professora da UFRJ, e Bernardo Pilotto, sociólogo e servidor do Hospital das Clínicas da UFPR. “Nesta conjuntura, políticas sociais não são mais universais. Também não é mais possível reconquistar os direitos construídos na chamada Constituição cidadã de 1988”, avalia Sara. Como exemplo ela cita os artigos que tratam da Assistência Social, afirmando que do texto aprovado “nada mais é igual, nem uma palavra”. Bernardo Pilotto falou sobre a luta dos movimentos sociais, como sindicatos e movimento estudantil, frente às ameaças aos direitos. Citou a “reforma política” como um dos retrocessos, pois ao invés de promover uma democratização do processo político acarretou a restrição do acesso a ela. Para ele, o que importa na luta por direitos não é apenas o seu conteúdo, o que ela defente, mas até onde ela vai, o que ela representa. “Se a luta por direitos é uma luta de todas/os pelos outros e por aquelas/es que ainda virão, então é uma luta revolucionária”, conclui. Para a assistente social Beatriz de Paula, todos os temas propostos para as plenárias foram interessantes, mas ela optou por acompanhar o debate sobre os retrocessos. “As questões discutidas foram importantes para a luta dos profissionais, para seu engajamento”, afirmou Beatriz.

Democratização da Justiça

O debate sobre o processo de democratização da justiça foi feito por Gladstone Leonel da Silva, da Universidade Federal de Brasília, e Fernanda Camargo, conselheira do CRESS-PR. Gladstone ressaltou que a estrutura do sistema judiciário, por si só, é autoritária. O Poder Judiciário não tem instrumentos de participação da sociedade, ou seja, não é democratizante e popular. “É necessário ter compromisso com a sociedade, com os sujeitos, para que se possa democratizar a justiça de fato”, afirmou.
De acordo com Fernanda, é preciso compreender a construção histórica da justiça para poder fazer incidência num campo maior. “No dia 29 de abril os três poderes agiram de forma articulada. O poder judiciário acolhe os poderes executivo e legislativo e se imbricam nisso”, comenta a conselheira, ao lembrar as ações realizadas em conjunto pelos três poderes do Paraná que culminaram com o massacre contra professoras/es, outras categorias de servidoras/es e estudantes. Fernanda também fez um chamamento às/aos profissionais de serviço social, para que a partir de sua atuação e militância levem esta pauta para toda a população.

Movimentos Sociais: espaços de luta e articulação do Serviço Social

Na plenária que discutiu os desafios da atuação do Serviço Social em articulação com os movimentos sociais, Roberta Traspadini, da Universidade Federal da Integração Latino Americana (Unila) e Ana Cristina Oliveira, da Universidade Federal Fluminense, apresentaram um contexto dos movimentos sociais e das lutas. Roberta evidenciou questões que não são tão aparentes nos movimentos sociais que devem ser observadas. “O que se pretende conhecer dos movimentos sociais ainda está muito longe do que se conhece”, afirma, ressaltando que é importante compreender que dentro dos movimentos há contradições e disputas. Ana Cristina fez uma exposição sobre as novas formas de sociabilização e identidade dos movimentos, que trazem nova conformação política, vêm atuando a partir de redes e defendem pautas políticas diversas. Para ela, o desafio do Serviço Social é fortalecer os vínculos da profissão com as lutas gerais dos movimentos sociais.

Conferência de Encerramento

A conselheira presidenta do CRESS-PR Wanderli Machado e a assistente social Larissa Dahmer, da UFF, foram as profissionais que conduziram as falas na conferência de encerramento do VI CPAS. O tema “O Projeto Ético Político: Liberdade e intolerância no contexto atual” foi abordado de diferentes formas.

Wanderli iniciou a fala ressaltando que os debates realizados durante o Congresso, especialmente em seus pontos mais polêmicos, contemplaram a essência do que é uma democracia. As opiniões expressadas durante o congresso apontam que os diálogos propostos pelo Congresso eram necessários e que o sexto CPAS desafiou a todos/as presentes a exercitar o Projeto Ético Político. “A nova sociedade se constrói com as velhas pessoas. Nós é que temos o desafio de nos reconstruirmos cotidianamente para viver uma nova ordem societária”, afirmou a conselheira. Fazendo a ligação entre os temas trabalhados durante o Congresso, Wanderli comentou sobre a superação das expressões da questão social, como uma luta contínua. Assim, em sua fala, apontou para a necessidade de todo/a assistente social se apropriar do projeto ético político da categoria e juntos litar pela liberdade, contra a intolerância. “Existe hoje um tipo de intolerância travestida de manifestação da religiosidade dentro congresso nacional, interferindo em perda de direitos. Esta manifestação tem apenas o pretexto da religião, mas a variável é econômica”, comentou ela, exemplificando que a proposta de redução da maioridade penal vem junto com o debate sobre privatização dos presídios e que as propostas de internação compulsória também têm viés econômico, vindo das próprias clínicas. Esclareceu que a escolha desta gestão do CRESS-PR é: “pela criminalização da intolerância, dos crimes de ódio, e pelo amplo direito das pessoas se manifestarem plenamente. Gente é para brilhar”.

Larissa Dahmer deu sequência à conferência de encerramento com uma fala contextualizadora sobre o ensino superior no Brasil, argumentando como a educação tem se manifestado cada vez mais como uma mercadoria. “A educação tem sido utilizada com a função de manter o padrão de desigualdade social, ‘adestrando’ a classe trabalhadora para que ela possa vender sua força de trabalho”, afirmou. Ela trouxe o histórico sobre o ensino superior, comentando que o alargamento deste ensino passa a ocorrer a partir da reforma universitária de 78. Comentou que mais recentemente as políticas neoliberais do governo FHC – diminuindo o tamanho do estado e impulsionando o setor privado – passaram a impulsionar também a iniciativa provada no ensino superior com programas como o FIES. Depois o crescimento das universidades privadas também ocorre nos governos Lula e Dilma, com políticas como o Prouni. Larissa apontou que dentro desta perspectiva de educação como mercadoria, a modalidade de Ensino à Distância é muito lucrativa. O custo é muito mais baixo e há um potencial astronômico de consumidores. O argumento de que esta modalidade alcançaria populações que geograficamente teriam dificuldade de acesso ao ensino superior não está se confirmando, visto que a modalidade tem maior concentração no sul e sudeste, em grandes cidades. Para ela ao tratar especificamente do curso de Serviço Social, uma das questões mais problemáticas no EaD é a realização do estágio sem a supervisão presencial, podendo fragilizar a formação profissional. Neste momento, comentou que o tema é de difícil problematização visto o aumento de profissionais formados à distância, porém esclareceu que há um posicionamento inclusive do conjunto CFESS-CRESS contra a modalidade, sem desmerecimento destes/as profissionais. “O importante é entender a lógica mercantilizadora. Educação e Saúde foram sucateadas com o objetivo de favorecer a inciativa privada, abrindo planos de saúde para todas as faixas de renda e escolas para todos os bolsos, tirando a demanda do estado. O que era direito social se descontrói”.

Para fechamento do Congresso uma mística envolveu os/as presentes em uma mensagem de recusa ao autoritarismo e de luta por uma nova ordem societária. O estudante Lucas Menezes e a conselheira Emanuelle Pereira transmitiram as mensagens de agradecimento. Emanuelle ressaltou, entre dados do Congresso, o grande empenho em fazer a construção ser coletiva, convocando a todos/as a dar sequência nas lutas debatidas durante o VI CPAS.