Ética, sigilo profissional, trabalho interdisciplinar, questão social, conservadorismo, Serviço Social na Educação, gênero, criminalização da juventude, saúde mental. Estes foram temas presentes nas diversas oficinas e debates do segundo dia do VI CPAS, que contou ainda com a primeira parte das apresentações de trabalhos. Confira como foi o dia:
Período da Manhã: Plenárias Simultâneas
Serviço Social na Educação: Legislações, Saberes e Competências
As assistentes sociais Marcela Silva da UFPB e Sarita Amaro da UFSM estiveram na mesa que debateu o Serviço Social da Educação. A mediação da mesa ficou com a conselheira do CRESS-PR Ilda Witiuk. Marcela levantou uma questão a ser respondida ao longo da própria fala que era “Qual a educação que o/a Assistente Social quer?”. A fala dela contemplou apontamentos sobre o direcionamento político que o/a assistente social deve ter ao atuar na política de educação, independente do espaço em que atua. O participante Charles Martins, assistente social de Curitiba, comentou que a fala dela focou na autocritica que os/as profissionais precisam fazer para dar os encaminhamentos necessários ao atuar na Educação. ‘Temos que ter claro qual a educação queremos e entendo que devemos lutar por uma educação popular, revolucionária, que eduque para a vida, ao contrário do que está posto hoje”, comentou Marcela. Ela comentou também sobre os valores materiais e materiais que a educação deve dar aos sujeitos, abordando quem são estes sujeitos. Este tema foi aprofundado pela prof. Sarita, que discorreu sobre como se dá a atuação profissional de assistentes sociais na Educação. Para Charles este é um tema que ele vê o conjunto CFESS-CRESS debater, para que se defina a função do/a assistente social nas escolas, como um profissional complementar e necessário/a. A fala da prof. Sarita pontou que há diversas situações que são demandas do/a Assistente Social, mas ele tem que se apropriar de suas atribuições. Comentou sobre como é comum o encaminhamento de situações consideradas problema para os/as assistentes sociais, sem a reflexão de quais são suas atribuições. Para ela, o princípio fundamental é entender que escola é essa, quem são os sujeitos, o que inclui não apenas as crianças, mas a família, o entorno, entre outros.
Ética e sigilo profissional na defesa de direitos
Debater o sigilo é ponto fundamental no discurso ético do serviço social. A plenária que aconteceu na manhã desta quinta-feira, 12, teve a participação de Olegna de Souza Guedes, professora da UEL, que trouxe a tona os questionamentos sobre quais são as regras que regem o sigilo dentro da área, e qual é o limite da prática profissional. De acordo com ela as regras são construídas pelos/as assistentes que tem o contato cotidiano com o usuário. “Elas já existem, mas devem ser recriadas para atender os valores que a assistência social prega como garantia de direitos”, explica. Olegna não acredita que todos os detalhes do relato merecem ser passados a frente, visto que algumas informações podem expor o individuo, prestando um desserviço à área. “A imparcialidade não deve ser a principal característica do/a assistente social, mas sim a defesa do usuário”, esclarece. Na mesa também estava presente o professor carioca (UFRJ), Charles Toniolo, que reforçou a necessidade de conhecer a finalidade da atuação e como alcançá-la de forma objetiva. Toniolo diz que a precarização da vida atinge o serviço social e deve servir de elemento para a dinâmica do/a profissional, sem colocar a vida dos usuários em uma posição constrangedora.
Estudante de Serviço Social na UFPR – Litoral, Maria Gretta conta que a discussão sobre ética não é tão aprofundada no curso, portanto o Congresso traz uma reflexão sobre regras e valores que devem ser seguidas na profissão. “A área serve para garantir o direito do cidadão e a partir do momento em que você está se dispondo a atender alguém, nem todas as informações que ele conta precisam ser reveladas”, conclui.
Trabalho e Questão Social
Nesta manhã um debate sobre Trabalho e Questão Social trouxe a tona a realidade brasileira do ponto de vista do/a trabalhador/a. A mesa da plenária era composta por Alfredo Aparecido Batista, professor na UNIOESTE e Gisele Avila Mendes, professora da UFPR Litoral. Alfredo Aparecido reforçou a necessidade de ampliar os estudos sobre o trabalho do/a assistente social, pois desta forma é possível criar um panorama das condições em que os atendidos são submetidos. A professora Gisele Avila falou sobre as transformações no mundo do trabalho e sobre a precarização do trabalho. “O que acontece é uma precarização do trabalho formal, apresentando medidas que enganam os trabalhadores sobre melhorias nas condições”, explica. Além da crítica às condições da classe trabalhadora, a mesa tratou da terceirização e da subcontratação, e em como isso se transforma em precarização trabalhista. “Toda mais valia é superexploração”, afirmou Gisele. Pesquisas apresentadas mostram as condições de trabalho em que terceirizados são submetidos e em como a política de metas acaba transformando-se em assédio moral.
Romulo Friderich é estudante de serviço social e trabalhou na área há algum tempo. Ele conta que a plenária complementou o conteúdo do curso. “Trabalhando na área do serviço social eu pude perceber que, muitas vezes, temos que lidar com estruturas sucateadas para dar conta do atendimento aos trabalhadores informais, visto que a previdência tem o papel de atender apenas os contribuintes”. Segundo ele, essa discussão é importante para reforçar a incompetência do sistema capitalista e em como muitas pessoas ficam na informalidade.
O conservadorismo moderno e o sincretismo no serviço social
Esta plenária teve falas das assistentes sociais Esther Lemos, do CFESS e Leila Escorsim da UFRJ, com mediação da conselheira do CRESS-PR Wanderli Machado. Para a participante Solange Fernandes, profissional atuante em Curitiba, a plenária trouxe reflexões fundamentais. Ela explica que o conteúdo apresentado pela professora Leila deu um panorama histórico aos presentes, sobre como as ideias conservadores foram se perpetuando mesmo após movimentos revolucionários, como a revolução francesa. Esse conservadorismo se alia às classes dominantes e nos dias de hoje não diferente. Ainda ressaltou que há o reflexo deste conservadorismo no trabalho do/a assistente social. A fala da conselheira Esther complementou este raciocínio, pois foi voltada para os reflexos dos movimentos reacionários na prática profissional do/a assistente social. Ela comentou sobre a ausência de um debate aprofundado das causas das expressões da questão social. Esther lembrou que a profissão tem uma natureza interventiva e que é fundamental ao/à profissional a análise e compreensão das demandas que chegam no dia a dia, procurando entender as variáveis dessa intervenção. Ela também provocou a reflexão sobre a necessidade de entender as demandas imediatas do fazer profissional ligando estas demandas a uma análise maior, sobre contexto em que se atua. Ela reforçou a ideia trabalhada na conferência de abertura do congresso de que a ruptura com as práticas conservadoras demanda a “arma da crítica”, ou seja, demanda um processo de apropriação dos fundamentos teóricos que fazem parte da base da profissão. As participações foram diversas. Para a profissional Adriana Siuta, atuante em Colombo-PR, o debate foi bastante denso e instigou ela a repensar práticas profissionais. “Essa ruptura com o pensamento conservador é desafiador, pois há uma grande diferença entre a teoria e a prática. O desafio é colocar a luta no dia a dia e fazer a análise constante sobre a práxis da ação/reflexão”
Período da tarde: Apresentação de trabalhos
Diversidade de temas marca primeiro dia de apresentação de trabalhos do VI CPAS
Ao londo do período da tarde foram apresentados 55 trabalhos, sendo que são apenas uma parte. Nesta sexta acontece a segunda parte das apresentações dos trabalhos inscritos pela categoria de profissionais ou estudantes de Serviço Social.
Numa das salas onde houve grande participação a assistente social da Prefeitura de Piraquara, Sunamita da Silva Oliveira, apresentou o trabalho “Adolescentes em situação de acolhimento institucional em Curitiba: uma análise investigativa do Serviço Social”. A produção enfatiza a questão da “adoção tardia”, mostrando a situação enfrentada por adolescentes que estão em casas de acolhimento por longo período sem oportunidade de adoção ou retorno para sua família de origem.
Para Sunamita, espaços como estes são importantes porque permitem discutir com outros profissionais as experiências de trabalho e ouvir as contribuições de assistentes sociais de outras regiões e Estados sobre como estas temáticas estão sendo trabalhadas. “No nosso trabalho cotidiano não dá tempo de discutir estes temas com outros profissionais, o Congresso é um tempo em que ficamos focados”, afirma.
Tania Moreira, assistente social da Defensoria Pública do Paraná, apresentou um relato de experiência profissional do Serviço Social no órgão sobre o acesso à justiça da População em Situação de Rua. Segundo ela, o atendimento a esta população precisa ser diferenciado. Segundo ela, os profissionais precisam realizar uma “busca ativa”, porque a população por si só acaba não procurando seus direitos na Defensoria. A maior demanda apresentada pela população é por consultas a sobre pendências jurídicas. “Nós esclarecemos para eles a função institucional tanto do trabalho do Serviço Social quanto das possibilidades de atendimento na defesa. Eles não estão habituados a ser defendidos, eles estão habituados a ser acusados”, afirma Tania.
Período da Noite: Debate e cine-debates
Foram 4 os espaços de debate na noite de 12 de novembro:
“Serviço Social nos Institutos Federais: um debate presente”
O debate “Serviço Social nos Institutos Federais: um debate presente” contou com exposições dos assistentes sociais Elias de Sousa Oliveira, da UNILA, Leandro José Araújo, do IFPR e Kleber Durat da UTFPR. O ponto central foi a inserção dos/as assistentes sociais na política da educação, tema que vem sido discutido cada vez mais pela categoria e pelo conjunto CFESS-CRESS, pela necessidade de se ampliar esta inserção. Além de debater a necessidade de inserção em si, outra questão central neste espaço de discussões foi o fazer profissional dentro dos programas de assistência estudantil dos institutos federais. A assistente social Oengredi Mendes, que atua em Campo Largo-PR, comenta que a centralidade desta questão está em não limitar a atuação do/a profissional nas avaliações socioeconômicas. “O desafio é que estamos presentes na assistência estudantil mas muitas vezes limitados a estas avaliações. Precisamos continuar a debater a ampliação desta atuação para espaços como pesquisa e extensão ou articulação com a comunidade acadêmica e comunidade externa”, disse ela.
“Mulher, condições objetivas de vida e Empoderamento”
O cine-debate com o tema “Mulher, condições objetivas de vida e Empoderamento” teve À mesa as assistentes sociais Elza Campos da Unibrasil e UBM e Renata Rosa da Puc-MG. Elas selecionaram dois filmes como pontos de partida para os debates. O primeiro foi um trecho de “Que horas ela volta” (2015), da cineasta Anna Muylaert. O filme traz à tona o debate sobre subalternização das empregadas domésticas e foi o ponto de partida para reflexões diversas relacionadas à subordinação da mulher em nossa sociedade. Elza comentou que no Serviço Social um elemento sempre debatido é o trabalho e no filme esta questão se apresenta: “No capitalismo o trabalho se apropria do corpo da mulher. Coisifica a mulher”. Citou a frase de Simone de Beavoir “Não se nasce mulher, torna-se mulher” apontar como aprendemos a reproduzir os padrões de subordinação e subalternização, exemplificando que até mesmo nas profissões em que a maioria é mulher como no Serviço Social, ainda se vincula a imagem da mulher ao cuidado. “A mulher tem cresce com essa função de cuidar da casa, cuidar das pessoas no trabalho”, comentou, exemplificando de diversas formas a reprodução dos valores machistas. A fala de Renata também reforçou que as mulheres, apesar de serem maioria da população, vivem diariamente violências diversas, também trazendo o debate de as situações de subalternização e violências se agravam com as mulheres negras. Outro filme passado neste espaço foi o curta metragem “Vida Maria” (2006 – Márcio Ramos) que traz o debate da cultura machista por meio da história de uma menina de 5 anos de idade, é levada a largar os estudos para trabalhar. Raquel Paiva Gomes, assistente social em São Bernardo-SP, esteve no debate e comentou a importância do debate sobre gênero: “o sistema vai moldando as relações sociais da mulher, da família e naturalizando as violências. Para mim o ponto central do debate foi o lugar da mulher nestas relações sociais, o acúmulo de funções – domésticas e nos espaços de trabalho – e ainda a necessidade de romper com essas barreiras culturais”.
“(Re)criminalização da juventude”
Outro cine-debate ocorreu a partir do documentário Ônibus 174, dentro do espaço destinado a debater a “(Re)criminalização da juventude”. O filme conta a história de Sandro, que aos seis anos de idade fugiu de casa, após presenciar o assassinato da mãe, envolveu-se com drogas, , foi vítima da Chacina da Candelária e passou por medidas socioeducativas e faz um paralelo da transmissão ao vivo do sequestro que Sandro fez do Ônibus 174. O filme gera uma série de reflexões sobre diversos aspectos da realidade brasileira ao possibilitar histórias como esta. Quem comentou alguns destes aspectos foi Renato de Almeida Freitas Junior, bacharel em Direito, da UFPR, que trouxe uma série de apontamentos sobre como pobreza e criminalidade estão relacionadas no Brasil. Para ele, o debate se inicia na definição de crime como algo artificial, pois ao criar as legislações atribuímos valores. Além do que está definido na lei, Renato trouxe uma série de exemplos que ligam em nossa sociedade a pobreza e as questões raciais à invisibilidade ou à criminalidade. Fazendo um paralelo com o filme, comentou como a história de Sandro poderia ter sido outra se ele tivesse sido ouvido. “Ficou claro que ele tinha necessidade de falar dos seus traumas, mas ele mesmo não via com quem falar”. Para a assistente social Vanice Fedrigo, de Francisco Beltrão, a fala de Renato foi incrível por retratar como são comuns e ao mesmo tempo invisibilizadas as situações diversas de preconceito. Ela ressalta os exemplos trazidos por ele de situações que ele conhece de pessoas próximas a ele ou que ele mesmo viveu, como situações absurdas de abordagens policiais ou outras de preconceito nítido por se tratar de pessoas negras ou pela roupa ou mesmo pelo lugar onde mora. “O mais interessante é que a partir de situações vividas por ele, Renato fez uma leitura da sociedade que para nós, assistentes sociais, trazem uma série de reflexões que podemos relacionar em nossos espaços ocupacionais”, comentou Vanice. A fala da conselheira Fernanda Camargo na mesa contribui no sentido de elencar algumas lutas do Serviço Social contra a criminalização da juventude, ressaltando a participação no Movimento Paraná Contra a Redução da Maioridade Penal.
“Saúde Mental: quebrando muros”
No cine-debate sobre “Saúde Mental: quebrando muros”, Uilson José Araújo e Wanderli Machado, conselheiro e conselheira do CRESS-PR conduziram o debate a partir do filme “Quebrando o Tabu” (2011), que mostra que apesar das políticas sobre Drogas enfatizarem o combate ao tráfico, os danos causados pelo uso e pelo abuso de drogas nas pessoas e na sociedade só aumentaram. O paralelo com o trabalho de assistentes sociais que atuam na Saúde Mental ficou evidente. Para Wanderli, o assunto deve ser debatido cada vez mais abertamente. Ela comentou as situações expostas no filme, como de personagens que fazem uso de drogas lícitas ou ilícitas com a consciência do mal que causam, mas fazem esta opção por considerar que esta é uma das poucas alegrias que eles têm. Ela também citou caso que vivenciou em seu espaço de trabalho de famílias que queriam fazer de tudo para livrar o filho das drogas, mas o próprio filho comentava que queria seguir a trajetória de prazer e morte. Para Wanderli, estas reflexões são importantes para o/a assistente social lembrar que não tem uma onipotência. “Não somos a salvação para ninguém. Temos que dar alternativas, pois a porta só se abre por dentro. Se a pessoa não quiser, não somos nós que vamos mudá-la”, comentou. Ela ainda ressaltou a necessidade de se repensar as políticas de saúde mental. O recurso de internação compulsória foi comentado como um recurso ineficiente e utilizado judicialmente muitas vezes com o propósito não de contribuir com aquele usuário, mas com o objetivo de fazê-lo parar de ‘incomodar’ de alguma forma. Ela lembrou que existe o recurso da internação involuntária, que em último caso pode ser solicitado pelas famílias – mas ela avalia como eficiente apenas para uma renovação no organismo da pessoa com dependência, porém ineficiente no tratamento. O recurso da internação compulsória é uma medida judicial. No assunto das determinações judiciais, o conselheiro Uilson ressaltou que muitos/as assistentes sociais percebem que não seria caso de internação ou então avaliam a situação das pessoas de outra forma que não a determinada judicialmente. Para ele o/a assistente social pode e deve buscar o contato com o judiciário para lidar com as situações, pois o/aassistente social é quem busca o vínculo e ele/a pode realizar uma avaliação apropriada.
O congresso segue até sábado, 14 de novembro. Continua acompanhando.