“O que assistimos nesta quarta-feira foge a qualquer explicação ou análise política. Beira a insanidade”. A frase emitida pela direção da APP Sindicato, expressa sentimento comum ao nosso Conselho. A operação policial que o Governo do Estado realizou em Curitiba nesta quarta-feira, agindo com a truculência que foi registrada por muitos/as, remete a um tempo em que a opressão era principal a arma do Estado, um tempo de medo, mas um tempo de resistência.
A barbárie ocorrida ontem é uma agressão à Constituição, aos avanços conquistados no sentido da Democracia e também uma agressão aos valores e princípios que orientam o Código de Ética de nossa profissão. O Serviço Social é pautado em princípios e valores construídos através de uma trajetória histórica de lutas sociais, momentos em que a liberdade, a revolução, a justiça social, o combate a exploração e a dominação de classes foram defendidos e objetivados.
Somos uma categoria que possui um compromisso com o projeto ético e político da profissão que visa a transformação societária e que propõe a radicalização da democracia, a defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo, a ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis sociais e políticos das classes trabalhadoras.Estes dentre outros princípios devem fazer parte do cotidiano dos/das Assistentes Sociais, pois somos profissionais que incorporamos as lutas sociais emancipatórias. E infelizmente, ontem vimos uma clara afronta aos nossos princípios, por isso, nossa profissão também está de luto pelo ocorrido
Ontem publicamos em nosso site uma nota com a fala de algumas conselheiras do CRESS/PR presentes na manifestação. O CRESS/PR ouviu mais algumas assistentes sociais que estavam presentes no momento da ação policial e que nos trouxeram alguns relatos. Confira:
Silvia Alapanian- professora da UEL do curso de Serviço Social e diretora do Sindicato de Professores da UEL e Região
“Aquilo foi um ato de exceção em todos os sentidos. Já achávamos absurdo cercar a Assembleia Legislativa, cerceando direitos. Depois, quando veio a força policial contra nós foi um choque. Era uma mega operação policial, pois além de todos os que cercavam a praça, tinha muitos policiais infiltrados na praça. Vimos caso de estudantes que foram presos por policiais à paisana, por alegação de vandalismo, mas posso atestar que estes estudantes nossos não estavam fazendo nada. Prenderam eles aleatoriamente. Nós ficamos desnorteados com essa ação contra nossos estudantes. Não só ontem, mas nos três dias vimos muita gente passando mal, pelo efeito das bombas. Acompanhamos muitas pessoas feridas. A praça ficou parecendo uma área de guerra, mas o volume da força estava tudo de um lado. Foi um massacre. A gente estava lá para reivindicar direitos, não para ir à guerra. E foi muito agressivo. Vi professores em choque, chorando. Ficamos atordoados. Avançaram nas barracas das pessoas, onde não havia indício nenhum de violência. Foi assustador. Tem alguns de nós em choque até agora”.
Eliana Cristina dos Santos- assistente social e professora colaborador da UEL do curso de Serviço Social
“Estávamos no acampamento desde terça-feira. Já percebíamos a tensão no ar, uma violência psicológica, simbólica. Os policiais ficavam se revezando, descendo até nós. Nós já imaginávamos que algo iria acontecer, mas ficamos completamente indignados da forma com que foi feito tudo. Foi uma covardia. PM, Tropas de choque, Policia da Fronteira atacando indiscriminadamente as pessoas. Tentávamos nos refugiar mas as bombas vinham de cima, dos helicópteros. Tinha muitos feridos, pessoas passando mal e o SIATE e os bombeiros não conseguiam se aproximar. Tínhamos que levar as pessoas feridas no colo. Não precisava daquilo. Não se pode dizer nem que era um combate, porque só um lado estava armado, e muito armado. Professores e servidores não deveriam ser alvos. Foi uma extrema covardia. É importante frisar que ontem foi o estopim da violência. Sofremos algo mascarado nos dias anteriores, simbólico e repressivo. Mas ontem foi o estopim disto tudo.”
Lorena Portes- assistente social e professora da UEL do curso de Serviço Social
“Chegamos às 13h30 na quarta-feira e o policiamento era intimidador, assustador. Parecia um cenário de guerra. Os policias posicionados, se revezando. Era um clima de ditadura. De repente escutamos um barulho, e teve uma explosão bem onde nós estávamos. Daí começou bomba atrás de bomba. Os olhos ardiam demais, era difícil respirar. A multidão tentava recuar mas as bombas vinham de qualquer jeito. Estavam todos desesperados, correndo. Quando tentamos voltar para frente da Assembleia, vieram mais bombas, de forma muito forte. Haviam muitas pessoas feridas. Resultado de uma ação extremamente covarde. Não foi um combate, os manifestantes estavam recuando e começou o bombardeio. Cenas que vão ficar na minha memória para sempre. Foi uma ação truculenta, covarde, desleal. Foi uma cena de terror, mas também marcada pela nossa resistência, nossa luta. E isto também vai ficar para a história.
Sabemos que hoje a concepção de Estado serve a uma classe dominante. Ele serve a esta minoria. E ele domina através da ideologia, e ontem vimos a dominação através da violência, da força. Afinal, isto que vivemos é democracia? O clima de ontem era de ditadura.
O que eu vi foi uma presença muito forte dos assistentes sociais, tinham muitos profissionais do Serviço Social. Acredito que neste momento é muito importante que estejamos na luta, marcando presença e combatendo esta ação repressiva. O assistente social tem esta importância em ocupar espaços, se articular com movimentos sociais e buscar a emancipação política. Nós temos o dever de lutar pelos nossos direitos.”
Marcia Sgarbieiro – assistente social
“Foi muito violento. A maneira como os policiais atacaram. Porque o governador disse que os policiais apenas se defenderam contra a tentativa de tomada do prédio da ALEP, mas se fosse assim, eles teriam atacado só a linha de frente. Ficou claro que o objetivo mesmo era retirar a população da praça. Tinha muito barulho, parecia campo de guerra. As crianças do CMEI ali do Centro Cívico tiveram que deixar a escola por causa dos ataques, porque o gás entrava e elas estavam respirando a fumaça. Teve muitos feridos. Mas entre os manifestantes não tinha ninguém armado, quem estava lá eram professores, servidores e estudantes. Eu não estava lá na frente, mas também vieram bombas de gás em minha direção.”
O dia 30 de abril foi de luto pela democracia. Neste dia aconteceu apoio civil aos professores e servidores do Paraná. Presentes no ato do dia 30, as estudantes de Serviço Social comentaram também o assunto:
Kelly Carolini Alves Correia- estudante Serviço Social
“Ontem foi bem fora do normal. Primeiro pelo visual, a quantidade de tropas de choque, de polícia, cães, e segundo pela brutalidade que foi. Mais de duas horas de gás lacrimogênio. E quando foi acabando o gás começaram com as balas de borracha. Foi muita covardia o que fizeram ontem. O curso de Serviço Social é um curso muito por si só marxista. Fala muito da união da classe trabalhadora, luta de classes. E o papel do Serviço Social é de defender o direito desta classe.”
Jaqueline da Conceição Belo – estudante Serviço Social
“Eu acho que é fundamental que o assistente social se posicione em relação ao o que está acontecendo no Paraná, tendo em vista toda a conjuntura do nosso projeto ético politico. Acredito que quem faz Serviço Social quer mais do que fazer a graduação para conhecer a profissão. Tem uma coisa intrínseca que é a questão da militância. E quando não é militância, é esta questão da luta pelo direito mesmo, sendo ou não dos movimentos sociais. Eu acho que a gente tem que se posicionar sim enquanto estudante de serviço social. Temos que nos colocar como agentes que apoiam a mobilização social, mas que também pensam esta conjuntura para possivelmente produzir conhecimento que venha a agregar. O que está acontecendo é histórico.”
Você, assistente social ou estudante de Serviço Social, que esteve presente no massacre do dia 29 contribua com seu relato. Mande para o endereço [email protected] ou publique em sua rede social com a hashtag #serviçosocialemluto