Nota OAB/PR referente a comentários sobre violência sexual

O CRESS/PR reproduz a seguir a nota de repúdio redigida pela OAB/PR aos comentários do psicólogo Naim Akel sobre violência sexual contra a mulher:

Em entrevista concedida ao programa Balanço Geral da emissora RIC TV Curitiba, em 02 de outubro de 2013, o psicólogo e professor Naim Akel, coordenador do curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), fez diversas afirmações que ofendem as diretrizes das políticas públicas de enfrentamento à violência contra a mulher. Dessa forma, seus comentários devem ser devidamente criticados e repudiados por todas as pessoas e organizações que se preocupam com a efetivação dos direitos humanos das mulheres.

Durante o referido programa televisivo, o psicólogo proferiu diversos comentários controversos sobre a justificação da violência de gênero a partir de explicações que naturalizam opressões construídas histórica e socialmente. Ao falar especificamente sobre a violência sexual, usando como exemplo o caso da denúncia realizada por uma mulher sobre um estupro praticado contra ela por jogadores de futebol hospedados em um hotel em Curitiba, Naim Akel teceu comentários que justificam a violência e que culpabilizam a vítima.

A este respeito disse que “as mulheres estão mais disponíveis, a mulher está se colocando em uma posição de maior oferecimento ao homem” e, apesar de afirmar que “logicamente isso não pode justificar um comportamento de imposição, de agressividade, de domínio do homem”, ele ressalta que “nós temos que entender que ela está estimulando um impulso, uma forte força instintiva a se manifestar e que exercer o freio, exercer o controle sobre o comportamento do homem depois vai ficando cada vez mais difícil”. Em seguida, sobre o caso específico da denúncia de estupro assevera: “na realidade, ela aceitou subir no quarto do hotel. Na realidade, ela estava alcoolizada, pelo que as notícias colocam. Então, aí, realmente, a responsabilidade é dividida. Não justifica o ato de violência dos jogadores, mas, pelo menos, a gente entende o porquê que eles perderam o freio”.

Não cabe aqui avaliar a referida denúncia de estupro, mas evidenciar a legitimação à cultura do estupro presente nos comentários do psicólogo. O discurso é de que as mulheres provocam seus algozes e que estes não conseguem resistir, são incitados a estuprar. Através deste argumento a mulher é culpabilizada pelo crime do qual é vítima.

A culpabilização das mulheres pela violência machista é contrária a todos os ditames éticos que guiam a busca pela efetivação de uma sociedade igualitária e democrática. No estupro, como em qualquer outro crime, a culpa é de quem comete a conduta criminosa – nunca é da vítima. Frise-se: o consentimento explícito das partes envolvidas é pressuposto da relação sexual, se assim não for, trata-se de um crime – não importa se a mulher está alcoolizada ou se é esposa do agressor, por exemplo. Sexo é a relação consensual e consciente entre dois adultos, sem que haja qualquer coerção. O estupro é resultado de uma decisão consciente de uma pessoa de constranger a outra, mediante violência ou grave ameaça, a manter relação sexual não desejada., É ato coercitivo. Não é consequência natural de estar bêbada, de ter dado qualquer suposto indício de que queria praticar algum ato sexual, de usar determinado tipo de roupa ou de frequentar determinados lugares.

A busca pela efetivação dos direitos humanos das mulheres tem como imperativo o combate a todas as manifestações que legitimam, naturalizam ou justificam a violência de gênero. Assim, os comentários do psicólogo no programa televisivo causam grande consternação. O fato de Naim Akel ser coordenador de um curso de Psicologia em uma Universidade faz com que o caso seja ainda mais preocupante, pois coloca em questão a própria formação acadêmica dos profissionais que podem ser influenciados por este discurso que naturaliza a opressão.

Enquanto professor e coordenador de curso, o Sr. Naim deveria zelar por uma conduta ilibada, pautada no respeito e estrita observância dos preceitos do Código de Ética que rege a profissão do psicólogo. Não foi o que aconteceu: em sua fala, o professor transgrediu alguns dos princípios fundamentais do Código de Ética do Psicólogo, a exemplo do I (“O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos”), II (“O psicólogo trabalhará visando promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”) e III (“O psicólogo atuará com responsabilidade social, analisando crítica e historicamente a realidade política, econômica, social e cultural”). Naim também foi de encontro ao artigo II, alínea a, do mesmo Código que veda ao psicólogo “Praticar ou ser conivente com quaisquer atos que caracterizem negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão”.

O Paraná é o terceiro estado do Brasil com maior incidência de casos de homicídio de mulheres. Recentemente, o estado sediou uma CPMI para investigar as ações do governo no combate à violência contra a mulher, que vem adquirindo contornos cada vez mais alarmantes. Piraquara, na região metropolitana de Curitiba, ocupa o segundo lugar no ranking nacional entre os municípios em que mais se matam mulheres. O discurso de culpabilização da mulher contribui para esta realidade, colocando as vítimas como coautoras da violência sofrida.

Dessa forma, manifestamos nossa indignação frente qualquer tipo de culpabilização das vítimas de estupro pelo crime cometido contra elas. O combate à cultura que banaliza e naturaliza o estupro deve estar presente em todos os espaços sociais: universidades, escolas, meios de comunicação, no ambiente familiar, na esfera pública. Ressaltando que o enfrentamento a todo tipo de violência contra a mulher é uma pauta fundamental para a construção de relações sociais mais justas e igualitárias.

Curitiba, 25 de novembro de 2013.

Comissão de Estudos Sobre Violência de Gênero da OAB/PR