SERVIÇO SOCIAL E A PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA A CRIANÇA: um diálogo com a educação não-formal

Autoria: Zelimar Soares Bidarra, Susana Karen Hans Sasson
Publicação: IV Congresso Paranaense de Assistentes Sociais

Introdução

A defesa dos Direitos Fundamentais de crianças e adolescentes, inscritos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei Federal nº 8.069/1990, e o diálogo permanente com os atores do Sistema de Garantia dos Direitos de crianças e de adolescentes têm direcionado a intervenção da equipe, docentes e discentes, do “Programa de Apoio as Políticas Sociais – PAPS” e do Projeto “Ponto de Apoio aos Conselhos de Políticas Sociais – Ponto”, Curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE.

No ano de 2008 as equipes do PAPS e do “Ponto” passaram a realizar um trabalho de investigação-ação e de interlocução, mediante algumas referências da educação não-formal, na perspectiva de aumentar a abrangência e a penetração do tema da violência contra crianças e adolescentes, em diferentes espaços sociais.

Para isso formulou-se uma proposta, intitulada: Oficinas de Prevenção à Violência Sexual contra a Criança e o Adolescente: espaços para a defesa do “Direito à Liberdade ao Respeito e a Dignidade” (ECA, 1990). Na edição piloto, as Oficinas destinaram-se a crianças, compreendidas na faixa etária dos 05 aos 10 anos, e consistiu num trabalho de cunho investigativo, educativo e preventivo, para o qual tomou-se aspectos das violências, em especial da violência sexual, objeto central da reflexão-ação.

Através de um diálogo direto com o público alvo da ação, mediado por recursos lúdicos, buscou-se evitar a vitimização e a revitimização decorrentes das práticas e das situações constitutivas da violência física, psicológica e sexual.

Mediante um trabalho de pesquisa-ação procurou-se chamar à atenção e estimular o entendimento das crianças, dando-lhes subsídios para um reconhecimento mais imediato, sobre o que e como se caracterizam as atitudes de violência. Ao mesmo tempo, objetivou-se a conhecer a compreensão dessas crianças sobre as condições que representam a violação do “Direito à Liberdade, ao Respeito e a Dignidade”.

1. Política de Atendimento à Criança e ao Adolescente

A política setorial da área da infância tem como pano de fundo as expressões das desigualdades sociais. Num rápido olhar para a história é possível observar o quanto é recorrente os relatos de vitimização, o que indica o quanto as formas de violência estão enraizadas no viver em sociedade (DEMAUSE apud GUERRA, 2001, p. 53).

Diferentes estudiosos, como Ariès (1981), assinalam que a marginalização e a discriminação da infância dava-se em função da (compreensão de) sua “insuficiência” perante o mundo adulto. Isso serviu para justificar um exercício de poder ilimitado da pessoa adulta sobre a criança. A criança não era reconhecida enquanto sujeito/pessoa, e sim como objeto submetido à dominação ilimitada do mundo adulto, prática que era legitimada socialmente. Essa forma de poder abusivo se afirmou ao longo de vários séculos e acostumou-se a ultrapassar limites que conferem condição de dignidade a uma pessoa, isso é o que tem designado a presença da violência perpetrada contra crianças e adolescentes.

Modificações nessa história ocorreram a partir do século XVI, momento em que a infância (que até então era considerada uma fase indistinguível do mundo adulto) passara a ser gradativamente observada enquanto etapa diferenciada de desenvolvimento. Contudo, foi somente no “(…) século XIX, [que] muitas sociedades refletiram sobre a necessidade de se prover uma especial proteção às crianças reconhecendo-as como ‘pessoas’” (Pebble Project apud Bidarra; Oliveira, 2007, p. 164).

Mas, de modo efetivo, foi no século XX que se protagonizou a elaboração e a disseminação de documentos de extrema importância que contribuíram decisivamente para delimitar alguns avanços no sistema de proteção à infância, sendo eles a Declaração Universal dos Direitos Humanos (Nações Unidas, 1948) e a Declaração dos Direitos da Criança, aprovada pela Assembléia das Nações Unidas em 1959. Nesses documentos estão inscritos e reconhecidos direitos específicos inerentes ao segmento infantil (Bidarra; Oliveira, 2007, p. 169-170).

Progressivamente a influência e as diretrizes emanadas nessas Declarações chegaram até ao Brasil. Dessa forma, o país passou a ratificar os compromissos internacionais de proteção integral e de segurança para o segmento infantil a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988.

Em 1989 o governo do Brasil se comprometeu a ser signatário da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, documento aprovado pela Organização das Nações Unidas (ONU). Dentre as diretrizes e os artigos constantes previstos nessa Convenção destaca-se o seguinte:

I – Os Estados Partes adotarão todas as medidas […] para proteger a criança contra todas as formas de violência física ou mental, abuso ou tratamento negligente, maus-tratos ou exploração, inclusive abuso sexual […]. II – Estas medidas de proteção deveriam incluir […] formas de prevenção, para a identificação, notificação, transferência a uma instituição, investigação, tratamento e acompanhamento posterior dos acasos acima mencionados a maus-tratos à criança […] (ONU, 2008 – grifo nosso).

No Brasil, a externalização do compromisso com a Convenção está representada na Lei 8.069 de 13 de julho de 1990, intitulada como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Esta Lei estabelece a doutrina da “proteção integral”, segundo a qual crianças e adolescentes brasileiros passam a ser considerados como pessoas em peculiar situação de desenvolvimento psicossocial, sujeitos de direitos e portadores de prioridade absoluta, sendo de responsabilidade do Estado, da sociedade e da família prover meios para que os mesmos usufruam de condições dignas de existência.

Dentre os cinco Direitos Fundamentais preconizados por esse Estatuto, destacou-se, para o trabalho das Oficinas de Prevenção, o “Direito à Liberdade, ao Respeito e à Dignidade”, cuja centralidade das medidas de proteção encontram-se nos artigos 15, 17 e 18.

Entretanto, apesar de serem direitos legalmente protegidos, nem sempre as modalidades de ações protetivas engendradas pelo Estado e pela sociedade brasileira chegam até (a grande maioria de) seus destinatários. Algumas das principais fontes de registros estatísticos sobre a infância brasileira, tal como o Ministério da Saúde e Sistema de Proteção Para a Infância (SIPIA), do Ministério da Justiça, revelam dados assustadores e preocupantes sobre a reiterada presença das violações de direitos e das violências contra crianças e adolescentes.

Partindo desse dado da realidade buscou-se uma atuação de caráter informativo e preventivo com as “Oficinas de Prevenção à Violência Sexual contra a Criança e o Adolescente”, a fim de contribuir para a modificação da realidade acima descrita. Como fundamentação para as ações tomou-se as diretrizes dos Planos Nacional e Estadual de Enfrentamento à Violência contra Crianças e Adolescentes (CONANDA e CEDCA, respectivamente). Dentre os objetivos enunciados nesses Planos, para a intervenção no âmbito da extensão universitária ressalta-se o de:

Promover ações de prevenção (…) visando combater todas as modalidades de violência;

Envolver os Sistemas de Ensino (notadamente municipal e estadual) e de Saúde, para conscientização dos profissionais que neles atuam e das próprias crianças e adolescentes atendidas,acerca da importância da comunicação dos casos de suspeita ou confirmação de maus tratos, abuso e exploração sexual;

Fóruns de discussão (…) e ainda a elaboração e implementação de projetos para modificar a realidade do Abuso e da Exploração Sexual Infanto-juvenil (…) nas diferentes regiões do Estado do Paraná. (Paraná, 2006, p.11ss – grifos nosso).

Dessa forma, as Oficinas de Prevenção à Violência têm procurado divulgar as diferentes formas de violência e suas variadas modalidades de manifestação, trabalhando no âmbito da educação não-formal para sua identificação, prevenção e denúncia. Atuando em eixo preventivo, procura-se evitar que essa violência aconteça, ou que ao menos não volte a se repetir.

2. Uma Possibilidade de Atendimento à Crianças e Adolescentes pela via da Educação Não-Formal

A educação não-formal passa a ter maior visibilidade na década de 1990, quando, na Tailândia, foi realizada a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, e adotada a “Declaração Mundial sobre Educação para Todos: Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem”. Com a finalidade de atingir os objetivos estabelecidos nessa Declaração foi aprovado o “Plano de Ação para Satisfazer as Necessidades Básicas de Aprendizagem”, onde “passou-se a valorizar os processos de aprendizagem em grupos e a dar-se grande importância aos valores culturais que articulam as ações dos indivíduos” (GOHN, 1999, p.92).

A partir destes documentos foram estabelecidas novas possibilidades de trabalho na área da educação pois, novos conteúdos básicos passam a abranger, “(…) além dos conteúdos teóricos e práticos, valores e atitudes para viver e sobreviver, e (…) desenvolver a capacidade humana” (GOHN, 1999, p.93). A Declaração aponta para a necessidade de ir além das estruturas institucionais e dos sistemas convencionais de ensino, trabalhando com criatividade e determinação, visando aumentar a eficácia e a equidade do processo educacional.

É possível associar o conceito de educação com o de cultura, pois a cultura de um povo é absorvida, reelaborada e transformada a partir do processo de educação. A educação é abordada como “(…) forma de ensino/aprendizagem adquirida ao longo da vida dos cidadãos; pela leitura, interpretação e assimilação dos fatos, eventos e acontecimentos que os indivíduos fazem, de forma isolada ou em contato com grupos e organizações” (GOHN,1999, p. 98). Assim, concluiu-se que a educação escolar é apenas uma das formas da educação.

Outros processos educativos podem ser definidos como o não-formal. Este possui a intencionalidade de criar ou buscar determinadas qualidades e/ou objetivos e é uma prática organizada em movimentos, organizações e associações sociais. Porém, o espaço e os próprios conteúdos são adequados e readequados de acordo com o processo ensino-aprendizagem.

Com as Oficinas de Prevenção à Violência contemplou-se a primeira área de abrangência da educação não-formal, enfatizada por Gohn, correspondendo a uma “(…) aprendizagem política dos direitos dos indivíduos enquanto cidadãos, isto é, o processo que gera a conscientização dos indivíduos para a compreensão de seus interesses e do meio social (…) que o cerca” (ibidem, p. 98).

A educação não-formal é dividida em campos, de acordo com os seus objetivos. Visando difundir um trabalho de caráter informativo e preventivo dos indicadores e das situações que constituem as práticas da violência, em especial as práticas de violência sexual, as Oficinas “abrange[m] a educação gerada no processo de participação social, em ações coletivas não voltadas para o aprendizado de conteúdos da educação formal” (ibidem, p. 101-102). Para isso, realizam-se reuniões de estudo a respeito da temática da violência contra a criança e o adolescente e prepara-se material pedagógico estratégico para tornar o conteúdo da temática da violência acessível à compreensão infantil.

Gohn enfatiza que, em qualquer uma de suas modalidades, a educação não-formal tem sempre um caráter coletivo, “passa por um processo de ação grupal, é vivida como práxis concreta de um grupo, ainda que o resultado do que se aprende seja absorvido individualmente” (ibidem, p. 104).

No trabalho das Oficinas, realizado com grupos de crianças, percebeu-se como o elemento grupo é de fato fundamental para o aprendizado individual, pois as experiências vivenciadas pelos integrantes do grupo, em seu cotidiano, contribuem para que os conteúdos apresentados pelos “agentes assessores” se materializem no entendimento das demais crianças, e ainda, contribuem para que novos conhecimentos sejam produzidos coletivamente.

  1. Alternativas para o Combate às Violências

As Oficinas contemplaram alunos do ensino fundamental de uma escola da rede municipal, de Toledo, matriculados na 3ª/4ª série do período vespertino, crianças (entre 5 e 10 anos) usuárias de serviço de contra-turno de entidade social desse município. A atividade abrangeu um público de aproximadamente 120 crianças.

Cada uma das Oficinas de Prevenção buscou abordar as principais formas de violação do “Direito à Liberdade, ao Respeito e à Dignidade” e os indicadores da violência sexual. Além do que buscou-se desmistificar e esclarecer o conceito geral de violência. Com isso, objetivou-se construir um fundamento necessário para que as demais formas de violência contra crianças e adolescentes pudessem ser tratadas. Principalmente a de sua relação com as condições de vida cotidiana entre aqueles que estão em posições desiguais. Para conceituar o fenômeno da violência, utilizou-se a compreensão de Sérgio Adorno:

(…) a violência é uma forma de relação social; está ineroxavelmente atada ao modo pelo qual os homens produzem e reproduzem suas condições sociais de existência. Sob essa ótica a violência expressa padrões de sociabilidade, modos de vida, modelos atualizados de comportamento vigentes em uma sociedade em um momento determinado de seu processo histórico.

Ao mesmo tempo em que ela expressa relações entre classes sociais, expressa também relações interpessoais (…) está presente nas relações intersubjetivas que se verificam entre homens e mulheres, entre adultos e crianças (…) Seu resultado mais visível é a conversão de sujeitos em objeto, sua coisificação. (Adorno apud Guerra, 2005, p. 31 – grifo nosso).

A mediação entre os conceitos e o entendimento do público infantil foi construída através de partes do desenho animado “Eu quero Paz”, da Turma do Nosso Amiguinho, o qual explicita em linguagem própria o conceito de violência. E, através do recurso do teatro de fantoches, no qual as “crianças” dialogavam com o “ECA” a respeito da relação “direitos e deveres” presente no Estatuto. Por fim, a discussão se dava no sentido de descobrir e conceituar o fenômeno da violência.

Ao final de cada encontro, realizou-se uma dinâmica para fixar os principais aspectos abordados ao longo da Oficina. Para o primeiro momento, a dinâmica selecionada foi a da “batata-quente”, composta por balões que, quando estourados, continham uma pergunta que deveria ser respondida por todo o grupo.

Em seguida, foi desenvolvida a Oficina sobre a Violência Intrafamiliar[1], tratada nas principais modalidades: violência psicológica[2], física[3] e sexual[4]. A atividade foi concretizada através do recurso do teatro de fantoches, trazendo situações constitutivas dessas violências e, apontando ao final de cada uma delas, uma maneira alternativa de condução para que a violência pudesse ser evitada. Cenas do filme “Eu Quero Paz” também foram expostas, abordando a importância do respeito e do diálogo, na resolução de conflitos.

Na dinâmica de fixação foram apresentadas diversas figuras com crianças, nas quais a violência podia ou não estar presente. As crianças foram incentivadas a responderem as seguintes perguntas: Isso é uma violência? É uma violência física, psicológica ou sexual? Se acontecer comigo ou com alguém que eu conheço, o que eu faço? A partir das respostas privilegiou-se o enfoque do respeito, do diálogo e, principalmente, do pedido de ajuda para uma “pessoa de confiança”, pois, muitas vezes, essa violência se dá na relação “adulto-criança”, na qual não estão presentes o respeito e o diálogo.

A terceira Oficina teve como foco específico a abordagem da violência sexual, em suas diferentes modalidades. Guerra, Junior e Azevedo (s/d, p. 4) apontam que a violência sexual inclui atos com contato físico[5]; sem contato físico (incluindo assédio sexual[6], abuso sexual verbal[7], telefonemas obscenos[8], exibicionismo[9], voyeurismo[10], e pornografia[11]); com força física (incluindo agressões e até assassinato); e sem emprego da força física (sedução, corrupção, etc).

Ao abordar aspectos da violência sexual deu-se prioridade às formas onde o contato e a força física não estão evidentes, por se entender que nessas situações torna-se mais difícil para a criança fazer o reconhecimento de uma situação de violência e mesmo a diferenciação de uma demonstração de afeto.

As modalidades de telefonemas obscenos, abuso sexual verbal, exibicionismo, voyeurismo e pornografia foram explicitadas através do teatro de fantoches, onde “crianças” eram surpreendidas em cenas cotidianas, onde a violência sexual estava presente. Ao final de cada cena, criou-se um espaço para o diálogo com as crianças. Elas trouxeram situações semelhantes àquelas apresentadas, as quais mostraram o quanto a violência sexual faz parte do seu cotidiano. O teatro possibilitou principalmente desmistificar o conceito de violência sexual, elevando sua compreensão para além do ato sexual em si, direcionando o olhar das crianças para as situações que antecedem a consumação do ato.

Utilizou-se ainda o vídeo “Isabella Todabella”, construído pela Câmara Federal dos Deputados, que na forma de desenho animado traz uma situação de assédio sexual e informações para a sua prevenção.

A dinâmica de fixação dessa última Oficina teve caráter diferenciado, pois possibilitou que as crianças expressassem, por meio de frases, seus conceitos de violência e de prevenção, permeados pelo contexto da Oficina que haviam acabado de presenciar. O objetivo foi o de observar o nível de compreensão das crianças, apreendendo resultados mais imediatos em relação ao trabalho realizado.

Entre as frases coletadas a partir da indagação “violência sexual é:” encontramos algumas definições de violência, muitas das quais surpreendem-nos pelo nível de profundidade que agregam: “A violência sexual é umas [uma] das quelas [daquelas] violências assim [,] por exemplo: etrupar [estuprar] as crianças, adultos batendo com violência, adultos fazendo aquelas brincadeiras de sexo, adultos matando crianças.” Ao longo das Oficinas, houve um cuidado em não utilizar palavras fortes que pudessem chocá-los. No entanto, ao observar frases como essa, somos confrontados com a realidade em que essas crianças vivem e a partir da qual constroem sua visão de mundo.

As crianças relataram, ainda, sentimentos e situações de violência: “Aconteceu com migo [comigo][.] Os pias [piás] colocaram a mão a onde [aonde] não pode e olharam a onde [aonde] não pode e mais coisas. Não pode!!!”. Acredita-se que reafirmar essas situações como situações de violência sexual, as quais devem ser denunciadas, traduz o principal objetivo das Oficinas.

Quando o questionamento foi no sentido do que fazer “para ela não acontecer comigo” as crianças responderam: “Para não acontecer: pedir ajuda [,] gritar, denunciar, ficar sempre alerta, palar [falar] para a mãe e se ninguém [ninguém] tiver [estiver] em casa gritar o mais alto que poder [puder].” E é uma delas que deixa a dica: “Para não acontecer falar para augren [alguém] que você comfia [confia] [,] tabon [ta bom ?]”

A violência tem arrasado a vida de muitas crianças, deixando marcas que perduram. Trabalhando na prevenção, em sentido informativo e educativo, é provável que não seja possível reparar tais marcas, no entanto, se for possível atender apenas um desejo, que seja esse: “Eu quero que a violecia [violência] nuca [nunca] acoteca [aconteça] comigo [.]”.

Conclusão

É fato inconteste que escolha e uso dos instrumentos corretos possibilitam melhor a captação de conteúdos porque despertam a atenção do público infantil. Percebeu-se que quando utilizado um recurso e linguagem acessíveis, como o teatro de fantoches, por exemplo, a abordagem de um assunto tão sério como a violência sexual pode tornar-se mais leve, e em alguns momentos, pela atuação dos fantoches, até descontraída. Algumas crianças possuem maior facilidade de retenção e de explicitação do que outras. Contudo, todas as crianças acabam apreendendo algo, cada uma de maneira diferente, de acordo com as experiências vivenciadas em suas trajetórias de vida.

No transcorrer de cada Oficina, as crianças, inúmeras vezes e, de maneira muito espontânea, narram/relatam situações de violência vivenciadas por elas ou por conhecidos, bem como casos de violência veiculados pela mídia. Esse movimento demonstra como o conteúdo desenvolvido está sendo assimilado e remetido para as situações cotidianas. Demonstra ainda que, o ambiente criado para a discussão da temática da violência tem oportunizado a explicitação dos fatos e propiciado algum debate e pistas sobre as formas de posicionamento diante da ocorrência de situações de violência.

Ressalta-se a importância de investir e insistir na divulgação, em âmbito educativo e preventivo, do tema da violência. De tal maneira, muitas situações de violência podem ser evitadas e aquelas que já estão ocorrendo podem ser passíveis de denúncia.

Tendo em vista o número de crianças que tal trabalho pode envolver, e dos ganhos imensuráveis quando da oportunidade de se evitar uma violência, chama-se a atenção para a necessidade de investimento, por parte do poder público, em recursos financeiros e recursos humanos, para que ações semelhantes possam ser desenvolvidas em escolas, entidades de contra-turno e nas comunidades.

Para que essa divulgação alcance os efeitos desejados com o público infantil, é imprescindível investir na construção de material pedagógico próprio, para a faixa etária em questão, através de cartilhas, vídeos, músicas, jogos, dinâmicas, peças de teatro, entre outros instrumentos lúdicos. Assim o conteúdo chega de maneira mais concreta ao universo de entendimento da criança.

O trabalho realizado com as Oficinas dá as crianças subsídios para que possam estar alertas e se precaverem diante de algumas situações de violência. A criança precisa de uma referência, de um local e de pessoas com as quais ela possa discutir o assunto (por vezes mistificado), e mesmo repartir suas experiência de violência.

Referências

AMIGUINHO, Turma do Nosso. DVD “Eu Quero Paz”. SP: Casa Publicadora Brasileira, 2007.

ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. 2. ed. RJ: Zahar, 1981.

AZEVEDO, Maria Amélia; GUERRA, Viviane Nogueira de Azevedo (org). Crianças vitimizadas: a síndrome do pequeno poder. 2.ed. São Paulo: Iglu, 2000.

BIDARRA, Zelimar Soares; OLIVEIRA, Luciana Vargas Netto. Um capítulo especial na história da infância e da adolescência: o processo de construção do direito à liberdade, ao respeito e à dignidade. IN: LAVORATTI, Cleide (Org.). Programa de capacitação permanente na área da infância e adolescência: o germinar de uma experiência coletiva. Ponta Grossa: UEPG, 2007. p. 163-187.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: 1988 – texto constitucional de 5 de outubro de 1988. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2006.

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº 8.069, de 13 de junho de 1990. Paraná: IASP/CEDCA, 2006.

BRASIL. Guia Escolar: Métodos para Identificação de Sinais de Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. 2 ed. Brasília: SEDH e Ministério da Educação, 2004.

BRASIL. Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Infanto-Juvenil. 3 ed. Brasília: SEDH/DCA, 2002.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Vídeo Isabella Todabella. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/internet/midias/plen/swf/destaque_animado/Explora/base.swf. Acesso em: 26 de fev. de 2009.

GOHN, Maria da Glória. Educação Não-Formal e Cultura Política. SP: Cortez, 1999.

GUERRA, Viviane N. A. Violência de pais contra filhos. 4. ed. SP: Cortez, 2001.

GUERRA, Viviane Nogueira de Azevedo; JÚNIOR, Mario Santoro; AZEVEDO, Maria Amélia. Violência doméstica contra crianças e adolescentes e políticas de atendimento: do silêncio ao compromisso. s/d. Disponível em: http://www.abmp.org.br/textos/438.htm. Acesso em 02 de março de 2009.

PARANÁ – COMISSÃO ESTADUAL INTERINSTITUCIONAL DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES. Plano Estadual de Enfrentamento à Violência contra Crianças e Adolescentes. 2 ed. Curitiba: Ciranda, 2006.

SASSON, Susana Karen Hans; BIDARRA, Zelimar Soares. Oficinas de Prevenção à Violência Sexual contra a Criança e o Adolescente: espaços para a defesa do “Direito à Liberdade ao Respeito e a Dignidade” (ECA,1990). Projeto de Atividades ligadas ao Programa de Apoio às Políticas Sociais – PAPS. Unioeste/ campus de Toledo, 2008.


[1] “[…] todo ato ou omissão praticado por pais, parentes ou responsáveis contra crianças e/ou adolescentes que – sendo capaz de causar dano físico, sexual e/ou psicológico á vítima – implica, de um lado, uma transgressão do poder/dever de proteção do adulto (…).” (Guerra, 2005, p. 32).

[2] ”Violência psicológica: é um conjunto de atitudes, palavras e ações para envergonhar, censurar e pressionar a criança de modo permanente” (ABRAPIA; A Rede; CLAVES; CRAMI apud Brasil, 2004, p.36).

[3] “Violência física: é o uso da força física de forma intencional, não-acidental, por um agente agressor adulto […]” (ABRAPIA; A Rede; CLAVES; CRAMI apud Brasil, 2004, p.36).

[4] “Violência sexual: consiste não só numa violação à liberdade sexual do outro, mas também numa violação dos direitos humanos da criança e do adolescente” (ABRAPIA; A Rede; CLAVES; CRAMI apud Brasil, 2004, p.36).

[5] “São atos físico-genitais que incluem carícias nos órgãos genitais, tentativas de relações sexuais, masturbação, sexo oral, penetração vaginal e anal. Podem ser tipificados em: atentado violento ao pudor, corrupção de menores, sedução e estupro.” (BRASIL, 2004, p.39).

[6] Assédio sexual: “caracteriza-se por propostas de relações sexuais. Baseia-se, na maioria das vezes, na posição de poder do agente sobre a vítima, que é chantageada e ameaçada pelo autor da agressão.” (BRASIL, 2004, p.38).

[7] Abuso sexual verbal: “pode ser definido por conversas abertas sobre atividades sexuais destinadas a despertar o interesse da criança ou do adolescente ou a chocá-los.” (BRASIL, 2004, p.38).

[8] Telefonemas obscenos: “são também uma modalidade de abuso sexual verbal. A maioria deles é feita por adultos, especialmente do sexo masculino.” (BRASIL, 2004, p.38).

[9] Exibicionismo:é o ato de mostrar os órgãos genitais ou se masturbar diante da criança ou do adolescente ou no campo de visão deles.” (BRASIL, 2004, p.38).

[10] Voyeurismo:é o ato de observar fixamente atos ou órgãos sexuais de outras pessoas, quando elas não desejam serem vistas e obter satisfação com essa prática.” (BRASIL, 2004, p.38).

[11] Pornografia: “é exposição de imagens eróticas de pessoas ou de partes ou de práticas sexuais entre adultos, adultos e crianças, entre crianças ou entre adultos com animais, em revistas, livros, filmes e, principalmente, na internet.” (BRASIL, 2004, p.38).