Encontro Nacional: Aborto, uma questão polêmica no segundo dia do encontro

A segunda-feira começou com um tema polêmico em debate no 38º Encontro Nacional CFESS/CRES. A mesa redonda “O trabalho do/a assistente social e a questão do aborto” reuniu três nomes que apresentaram uma visão bastante qualificada a respeito do tema, construindo um debate inesquecível para as/os presentes.

Participantes da mesa sobre o abortoVinda de Pernambuco, a assistente social Francisca Chaves apresentou o trabalho do Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam) com mulheres vítimas de abuso sexual: desde 1996, a entidade já atendeu mais de 500 casos, dos quais 62 resultaram em gravidez e, destas, 36 foram interrompidas com respaldo judicial.

Entre as dezenas de vítimas da violência, Francisca atuou no emblemático caso da menina de nove anos de Alagoinhas (PE), que teve a gravidez de gêmeos interrompida. A história da menina foi amplamente divulgada pela imprensa, o que exigiu da equipe do Cisam atenção redobrada no sentido de proteger a identidade e a integridade da criança.

“Para mim foi um caso como outro qualquer, infelizmente não se trata de uma história incomum para nós. O que mais chamou a atenção da mídia neste caso foi a decisão do bispo local de excomungar a menina, os médicos que fizeram o procedimento de interrupção e inclusive nós, do Cisam”, disse Francisca, que completou: “Fui excomungada e serei quantas vezes forem necessárias para garantir e assegurar a saúde e a liberdade das mulheres vítimas de abuso ou exploração”

O deputado estadual Pedro Kemp (PT-MS), que também participou da mesa, afirmou que o esforço coletivo deve ser no sentido de “impedir que o aborto se torne necessário, de sanar os problemas decorrentes de sua prática clandestina”. Para ele, a liberdade individual da mulher sobre seu corpo não contempla o ser em formação, embora abrigado no útero materno. Sem entrar na definição biológica para a vida, Kemp declarou ser contrário à legalização do aborto.

Verônica Ferreira, assistente social do Instituto Feminista para a Democracia SOS Corpo, refutou os argumentos utilizados pelo deputado, afirmando que a concepção de corpo é uma construção cultural, subjetiva, e que em função disso a mulher tem o direito de decidir sobre a interrupção de uma gravidez: “a maternidade não pode ser uma fatalidade, uma contingência biológica. É preciso separar sexualidade da reprodução, que são vivências distintas”.

Verônica comentou a existência de um anteprojeto de lei que prevê a descriminalização das mulheres que interrompem uma gravidez. Segundo ela, o andamento da proposta esbarra no conservadorismo das instituições políticas, em especial no congresso nacional. “A articulação dos movimentos conservadores é bastante forte, é preciso acabar com o mito de que a pobreza nasce da barriga da mulher” disse.

Descriminalização e legalização. Qual a diferença?

A prática do aborto é hoje considerada crime, previsto no código penal brasileiro. A descriminalização faria com que mulheres não fossem penalizadas pela interrupção de uma gravidez.

A legalização é um passo à frente, e sugere que o aborto seja feito por uma equipe médica preparada em hospitais públicos, em condições de higiene adequadas, que não represente riscos à saúde da mulher. Hoje, as complicações decorrentes do aborto clandestino compõem a principal causa de mortalidade materna.