CRESS PR no Fórum Social Mundial.
Por: Daraci Rosa dos Santos – Conselheira 1ª Secretária e membro da Comissão de Direitos Humanos e Jucimeri Isolda Silveira, Conselheira Presidente do CRESS PR – 11ª Região
Entre as diversas atividades realizadas pelos diversos movimentos sociais e organizações que compõem o Fórum Social Mundial, o CRESS Paraná participou de algumas, entre quais destaca-se a mesa internacional “Movimentos Sociais entre as Experiências e a Construção do Pensamento Crítico”, onde, entre os debatedores pertencentes aos países da América Latina, encontrava-se a socióloga e pesquisadora brasileira MARIA DA GLORIA GOHN. O diálogo desenvolvido nesta reflexão apontava para várias questões que envolvem os movimentos sociais na contemporaneidade e o papel da pesquisa e das Universidade na construção do pensamento crítico neste contexto.
Inicialmente o que se colocou refere-se ao questionamento sobre o que há de novo nos movimentos sociais e como este se combina com os movimentos tradicionais, assim como quais as implicações teóricas e filosóficas para o próprio processo de pesquisa, já que, talvez, a tradição sociológica não dê mais conta de explicar esta realidade, uma vez que hoje existem grandes diferenças na forma como os diferentes atores constroem sua subjetividade, com suas diferenças e diversidades; é preciso aprofundar a compreensão do sujeito, da classe social, dos grupos e dos atores coletivos, a temporalidade e a permanência das mobilizações, que levam a uma reconfiguração do próprio socialismo.
Justifica-se tais preocupações pelo fato de os movimentos sociais hoje possuírem características que superam aquelas demandadas em outras épocas, onde as reivindicações eram localizadas e mais simples, sendo que atualmente não se trata mais de movimentos populistas, nem de movimentos urbanos de bairro. Entraram em cena novíssimos movimentos globais, que trazem questões novas, tais como o bio-poder e a bio-diversidade. Também se visualiza um novo formato das ações coletivas: questão das redes, das novas tecnologias e novas comunicações. Como exemplo, cita-se a questão da água (Peru), questão do gás (Bolívia) – onde a luta reflete as disputas que tratam dos territórios de pertencimento X territórios de interesse do capital. Há, portanto, um acirramento dos conflitos sociais que têm rebatimento em nível mundial, fazendo com que os movimentos sociais se articulem globalmente, formando redes que são fundamentais para potencializar as lutas. Também as demandas éticas ganharam centralidade: questão indígena e racial, com grande força e articulação; houve um retorno da questão religiosa no seio dos movimentos, reconfigurando as lutas.
Ainda na perspectiva das novas configurações dos movimentos sociais, foi mencionado que existe uma quantidade enorme de projetos e ações sociais, desenvolvidos por ONG’s que também se denominam movimentos sociais, mas não têm efetiva e necessariamente envolvimento com aqueles; parece tratar-se de uma apropriação e retradução do coletivo, que se volta para o atendimento meramente individual das demandas societárias, que acabam por não contribuir de fato para a construção de uma nova sociedade, ficando apenas na oferta de serviços. Na mesma ótica, foi exposto que da mesma forma há um novo papel do Estado que, em que pese o avanço e a democratização em curso, se associa à sociedade civil organizada, através das instâncias de controle social, fazendo com que os movimentos sociais percam sua autonomia, corroborando políticas de caráter compensatório.
Para além disso, evidenciou-se que os movimentos sociais têm grande importância no processo educacional não formal, pois que promovem o protagonismo, evidenciam as subjetividades dos sujeitos, demarcam suas diferentes formas de expressão e que os projetos emancipatórios passam a ter uma ação mais integradora, mas que ainda são poucos os estudos acadêmicos na linha crítica e reflexiva. A maioria dos trabalhos acadêmicos que se apresentam revela muito ativismo, de grupos e núcleos voltados a prestação de serviços e não a um trabalho de formação e de leitura crítica do mundo, sendo que, em muitos casos, abandonou-se as abordagens críticas, mas que estas são fundamentais para a uma boa interpretação dos movimentos sociais e das mudanças que ocorrem no mundo hoje.
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“Um Outro Mundo é Possível”
Por: Daraci Rosa dos Santos – 1ª Secretária, membro da Comissão de Direitos Humanos do CRESS PR – 11ª Região
Outra mesa de debates que o CRESS PR participou no Fórum Social Mundial foi a que expuseram suas idéias os intelectuais de esquerda, Emir Sader Michael Lowy e Luiz Hernandez Navarro, intitulada “Um Outro Mundo é Possível”, ocorrida no dia 31/01/09, entre as diversas ações realizadas naquele espaço.
Os debatedores apresentaram uma análise acerca do que tem sido o Fórum nestas nove edições, o que ele representa para o contexto atual do capitalismo, já que veio no sentido de fazer frente a esta ordem social, na perspectiva da construção de um mundo melhor, de igualdade, justiça e respeito à diversidade cultural. Foi lembrado que o Fórum Social Mundial é uma contraposição ao Fórum Econômico de Davos, onde os países ricos se reúnem para discutir as estratégias de organização e reorganização do capital. Os expositores afirmaram que a atual crise do capitalismo é justamente conseqüência das ações neoliberais implantadas por estes países ditos desenvolvidos e que não deram conta de evitar que isso ocorresse.
Os expositores questionam os valores éticos e morais do capitalismo, afirmando Emir Sader que o “essencial é inegociável, invendível, que é a vida humana”, que o seu valor se reconhece com a efetivação dos seus direitos e a reafirmação da necessidade destes; que a sua valorização se dá na oferta de políticas públicas que atendam às suas reais necessidades.
Neste sentido, os três expositores, cada um ao seu modo, analisaram a realidade da América Latina, onde temos, atualmente, governos populares, com perspectivas de esquerda, que vêm, ainda que com grandes dificuldades, implementando políticas de inclusão, de reconhecimento dos direitos humanos, de reconhecimento das nacionalidades e das culturas locais, evidenciando ainda a defesa de suas riquezas territoriais, contra a invasão imperialista norte-americana e dos países europeus, com vistas à superação do capitalismo, rumo a construção de uma nova ordem social.
De acordo com esta análise, há um esgotamento do sistema capitalista em nível mundial, no entanto este modo de produção se recupera e se reorganiza, não havendo possibilidades de que o mesmo se desmorone por si mesmo. Isto só será possível mediante uma ação revolucionária dos movimentos sociais que, para Lowy, a solução radical para um outro mundo possível está sendo construída na América Latina, através dos governos mencionados e dos movimentos sociais e está sendo chamado de “ o socialismo do século XXI”, um novo patamar do processo civilizatório. Inclusive, foi mencionada a necessidade de que, longe de tornar o fórum governista, Evo Morales estivesse mais presente nos eventos para expor a grande experiência do que vem ocorrendo em seu governo, as transformações e rompimentos que tem promovido, com a maciça aceitação e apoio popular porque, ao contrário do capitalismo, promove a vida.
Foi questionado o papel do Fórum Social Mundial e seus rumos frente à atual crise do sistema capitalista e colocado que se este não se rever em sua forma de organização e enfrentamento das questões mundiais atuais poderá perder suas características essenciais. Nesta perspectiva, Emir Sader coloca que existe um secretariado de oito organizações brasileiras encarregado de organizar o Fórum Social Mundial, sendo que destas, seis são ONG’s e duas são movimentos sociais (MST e CUT), sendo gritante a desproporção. Questionou-se o papel das ONG’s, que não necessariamente é o mesmo dos Movimentos Sociais; algumas sim possuem caráter revolucionário, mas nem todas; o questionamento não teve a intenção de desqualificar a participação das ONG’s, mas sim discutir o que elas têm feito em relação ao movimento revolucionário do qual prescindimos no atual momento histórico e, ainda, se com as características que apresentam hoje (recebimento de subvenções e desenvolvimento de projetos governamentais) devem continuar sendo chamadas de ONG’s.
Nas palavras dos palestrantes temos que “as ONGs não podem ser o paradigma político de um outro mundo possível. Nós teremos que construir isso. Elas têm lugar aqui, no entanto, o protagonismo tem que ser dos movimentos sociais” (Emir Sader). Luiz Hernandez Navarro diz que “isso gera uma contradição cada vez mais insustentável, que são as duas contradições principais do Fórum nos dias de hoje: entre a dinâmica e a lógica de funcionamento das ONGs e, por outro lado, o tipo de relação que é necessário estabelecer com a política institucional e com as mobilizações sociais e os governos progressistas”.
Navarro ainda argumenta que “Estamos falando aqui de algo que mescla três atores fundamentais: por um lado, ONGs e fundações internacionais, muitas das quais se apresentam como representantes da sociedade civil sem que seja correto falar assim, porque a sociedade civil por definição não tem representação. Não há quem possa falar pela sociedade civil. O segundo ator são claramente os movimentos sociais e o terceiro são os intelectuais e acadêmicos. Todos desempenham um papel dentro fórum muito complexo e difícil de se definir”.
Finalizando, Lowy, Sader e Navarro reafirmam a necessidade de que o Fórum Social Mundial defina uma agenda de lutas que contemple as lutas atuais na ótica da superação da sociedade capitalista, com vistas à construção, de fato, de “um outro mundo possível”.